sexta-feira, 11 de maio de 2018

Desvalorização da racionalidade material na aplicação à demandas sociais


A normatização para controle das relações humanas que não apresentam qualquer advertência moral ou qualquer casuística, é carecedora de um sistema que imponha deveres de forma justificada. Se o pensamento jurídico não for estimulado a uma ocupação construtiva que possa ser utilizada na prática, os aplicadores do direito, assim como aqueles que são obrigados por ele, apenas são levados a aceitar máximas universais e indiscutíveis. Contrapõe-se, portanto o direito formal e o direito material.
Compreende-se, e é justificável, que a função do Estado Democrático de Direito é eliminar pessoalidades e ser, portanto, imparcial e isso é ser racional para a sociologia moderna weberiana. Contudo, pelo fato de existirem diversas classes sociais, com culturas diversificadas, o direito deve se encaminhar para uma pluralização de valores e não para perspectivas abstratas que não visam contemplar a sociedade como um todo.
Deve ser considerada a racionalidade material e prática, na qual indivíduos diferentes projetam expectativas de racionalidades diferentes, considerando determinados valores como uma variável no cálculo para atingir determinado fim. A razoabilidade e valoração são instrumentos essenciais para que sejam solucionados conflitos na realidade.
A ação de reintegração de posse impetrada por uma empresa particular, com vistas a reaver sua posse no local onde se estabeleceu a comunidade do Bairro Pinheirinho, demonstra como a racionalidade formal se sobrepôs à racionalidade material. No julgamento que impôs, de forma tirânica e violenta, a expulsão dos integrantes e moradores do bairro que ali se estabeleceram e deram à propriedade sentido à função social que ela deveria representar, aponta para a hierarquização entre dois direitos fundamentais: o direito à propriedade e o direito à moradia, juntamente com o princípio mais importante que regula o direito civil das coisas, que é a função social da propriedade.
A juíza responsável pelo julgamento da causa não se utilizou de austeras regras de direito, mas sim de sentenças com caráter de postulados, não considerando uma sensível influência dos princípios ao decidir o caso de centenas de moradores que tiveram suas vidas mazeladas. Utilizou-se de argumentos para defender à reintegração alegando que a mera tolerância daquele povo no local não era justo motivo para se alegar a perda da posse. Além disso, tais pessoas não poderiam se valer de escusas da lei para uma perpetrarem uma ocupação irregular, alegando principalmente que a falta de moradia enfrentada principalmente por integrantes do MST, foi causada pela omissão dos poderes públicos. Utilizou-se de demais outros aspectos jurídicos de natureza do direito material para justificar o direito à propriedade da empresa Selecta, massa falida e proprietária do terreno, esta que tinha o poder sobre a propriedade com muitas irregularidades constatadas.
Em suma, as fontes naturalistas, provindas de um direito do povo, é que deveriam se sobrepor a um direito engessado, aplicado apenas com a subsunção, sem o mínimo de interpretação sociológica. Nenhuma norma deve limitar o direito à posse produtiva com bases em uma simples norma formal-jurídica. O ideal é que o direito formal se transforme em um direito natural material, quando a aplicação de um direito não dependerá mais de características formal-jurídicas, mas sim de características materiais-econômicas. Idealismo esse que não foi aplicado no caso da reintegração de posse do Bairro Pinheirinho, sendo apenas considerado um direito formalista, descaracterizando o sopesar entre direitos, quando o direito à moradia deveria ter sido mais valorado.



Heloise Moraes Souza - Diurno

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