quinta-feira, 16 de novembro de 2017

A liberdade refém dos três poderes

A interpretação feita ao Decreto-Lei 220/1975 (Estatuto dos Servidores Civis do Estado do Rio de Janeiro) implicava em uma redução de direitos a pessoas de orientação homossexual, culminando na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 de 2011. Paralelo a esse processo há decisões judiciais proferidas em diversas unidades federativas do Brasil que negam às uniões homo afetivas um conjunto de direitos reconhecidos aos de orientação heterossexual.
A Constituição Federal de 1988, no caput do Art. 5º, garante uma série de direitos como o da liberdade, e da igualdade, não cabendo, portanto, a não extensão de direitos a união de pessoas do mesmo sexo. Diz esse artigo:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”
Diante dos recentes casos de tentativas de restrição aos direitos de parcela da população, a pressão dos movimentos sociais é de grande importância e desenvolve-se de forma autônoma, e “não renunciam a seus pontos de vista morais em favor do aparato estatal”. (MAUS)
No mais, a teologia constitucional – termo emprego por Maus – é um fator fundamental para a proteção e extensão de todas as garantias presentes na Constituição. Por meio da teologia constitucional a Carta Magna deixa de ser compreendida como “documento da institucionalização de garantias fundamentais das esferas de liberdade nos processos políticos e sociais” (MAUS) e torna-se “um texto fundamental a partir do qual, a exemplo da Bíblia e do Corão, os sábios deduziriam diretamente sobre todos os valores e comportamentos corretos.” (MAUS)
Dessa maneira, é crescente o papel do Judiciário como poder responsável por resguardar e estender os direitos presentes na Constituição a todos os indivíduos. Ao mesmo tempo o futuro é incerto, e a liberdade e igualdade dos indivíduos ficam reféns de decisões judiciais.


MARCO ANTONIO CID MONTEIRO DA SILVA – 1º ANO DIREITO - NOTURNO
Críticas e Elogios à lei de terceirização: preocupação social ou oportunismo?

TEMA: O DIREITO DIANTE DAS METAMORFOSES DO MUNDO DO TRABALHO

Com a atual crise econômica – e também política – por que passamos, é comum virem à tona inúmeras insatisfações de diversos espectros da sociedade, que enxergam nesse período uma oportunidade favorável para granjearem seus objetivos, sejam eles financeiros, políticos, corporativistas, ou mesmo, simplesmente, pura paixão ideológica. Muitos setores, inclusive, alegam que suas insatisfações são os verdadeiros motivos da crise – nisso em que reside a grande hipocrisia –; e com a vigência da nova lei de terceirizações, com certeza será ela utilizada como trampolim por esses segmentos para concretizarem suas reivindicações.
É importante, antes de mais nada, memorar que a lei de terceirizações tem suas virtudes e defeitos; inclusive, isso foi objeto de debate na semana jurídica da UNESP. A juíza do trabalho Patrícia Maeda apontou diversos inconvenientes dessa norma que já são observados no mundo do trabalho, ambos decorrentes da precarização dessa modalidade trabalhista, visto que o trabalhador acaba sendo descartável, simplesmente com sua força de labor alugada para outra empresa, com a qual não possui vínculo algum: como a redução salarial do trabalhador terceirizado em relação ao efetivo, apesar de este trabalhar muito menos que aquele, conforme o Ministério Público do Trabalho; a empresa terceirizada investe menos no empregado para seu desenvolvimento profissional, e pior, menos na sua segurança laborativa, sendo comum os acidentes de trabalho por negligência da prestadora de serviços; o trabalhador tem uma força de representatividade sindical e jurídica mitigada, dificultando o acesso aos seus direitos, principalmente quando a terceirizada entra em falência; por fim, o mais cruel, mas de âmbito moral, a invisibilidade do trabalhador na empresa, já que ele é considerado apenas um serviçal de todos, por isso é comum sofrer diversas ofensas de cunho depreciativo, humilhações, assédios morais e muito mais, e tem de ouvir tudo calado, pois precisa do emprego; além do mais, não há perspectiva nenhuma de crescimento na carreira, porque sua força de trabalho é volátil, hoje está numa empresa, amanhã em outra, desse modo, não há quem possa reconhecer o seu trabalho e valoriza, pois não há como criar vínculos duradouros.
Já o professor de direito do trabalho da USP de Ribeirão Preto, Jair Aparecido Cardoso, elucida muito bem que a terceirização já é uma realidade no Brasil, é um fato social que existe, queiramos ou não. E crê que a entrada da lei de terceirizações é bastante bem-vinda, pois é necessário regulamentar essa modalidade laboral para garantir a efetividade de diversos direitos aos trabalhadores, que são previstos, mas não cumpridos, concretizando, portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana. Além disso, a questão trabalhista, conforme explica o professor, vai muito além do caráter pecuniário, já que há situações nas quais a remuneração é respeitada, mas outros direitos não, como é o caso das férias, assim, há direitos que são violados e imensuráveis, com uma mera indenização não resolve, já que num aspecto subjetivo são essenciais, principalmente no que tange ao direito social do lazer ao trabalhador, desta maneira, é essencial que uma norma dê efetividade a esses direitos não-pecuniários antes relegados. Por fim, o jurista adverte que é necessário preservar a CLT, mas sem ignorar nossos olhos à realidade do trabalhador, visto que o Direito precisa acompanhar as evoluções das novas dinâmicas sócio trabalhistas, pois estamos na era do desenvolvimento tecnológico-informacional, onde as transformações da realidade são demasiadamente voláteis, exigindo do legislador normas que compatibilizem as exigências de agilidade, flexibilidade com as inovações do modo de produção.
Agora, em que pese todos os argumentos arguidos pelos palestrantes, o que não me conformo é com a hipocrisia de diversos setores da sociedade, principalmente dos políticos da atual oposição - que antes eram governo - e do alto empresariado brasileiro. Nos treze anos anteriores à crise, com o país crescendo devido à alta das commodities e do consumo interno, cadê os empresários reclamando da burocracia para contratar e demitir? Estavam todos embriagados com os subsídios do governo federal, com os empréstimos do BNDES a juros menores que a inflação (agora vai um de nós sem dinheiro pedir empréstimo no banco...de entrada, já pedem um rim e exigem juros extorsivos, que fazem até um agiota americano sentir vergonha), com a remuneração das vultosas licitações, que no final se mostram obscuras e criminosas. Nesse momento, estavam pedindo livre mercado, menos ingerência política? Não! Estavam pedindo mais Estado para enriquecerem-se mais à custa dos cofres públicos. Então, o problema nunca foi, pelo menos para eles, a rigidez trabalhista; mas, sim, porque a “boquinha secou”, e eles não querem crescer com base na competitividade do mercado, mas, sim, com base de monopólio e benesses estatais.
Por outro lado, a atual oposição também age de maneira dissimulada, pois durante treze anos, sob a alegação de implementar um governo ético e paladino dos trabalhadores, combatendo os interesses do “grande capital”, da “burguesia”, aumentou o tamanho do Estado, mas fez totalmente o contrário: envolveu-se numa relação promíscua com os grandes empresários, numa enorme simbiose entre o público e o privado, causando a dilapidação do patrimônio público, cujo objetivo era financiar o companheiro de partido, a base aliada, os empresários amigos do “El Rey”, e todo mundo que tivesse colaborando com a causa, menos o trabalhador...Foi um dos governos em que mais os banqueiros e empresários se enriqueceram...Ademais, devido à política de desonerações, subsídios, empréstimos sem garantias, deixou de arrecadar um montante bilionário de dinheiro público, faltando dinheiro para sustentar o Estado gigantesco e para honrar suas dívidas, gerando, assim, um colapso nos serviços públicos essenciais à população e aumento do fator risco para empréstimos, precisando aumentar os juros para dar maior liquidez ao pagamento, consequentemente, aumentando a inflação e os preços praticados no país, onde quem mais sofre é o trabalhador de baixa renda...E, diante desse momento de instabilidade, querem aparecer como solucionadores de um problema que eles mesmo causaram ?! É muita falta de vergonha na cara...

Portanto, é de suma importância conciliar as diversas observações dos especialistas pró e contra a lei de terceirizações, a fim de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana e do trabalho justo e solidário, e atenuar, ou até mesmo erradicar, os gravames causados por essa lei. Contudo, mais ainda, é importante ter muita cautela e analisar com um olhar crítico os discursos proferidos por charlatães políticos e empresários inescrupulosos.

John R. Angelim Novais, 1º Ano Direito - Noturno.

ADI 4.277 em uma perspectiva de Axel Honneth

      Em “Luta por reconhecimento”, Axel Honneth aborda o viés dos sentimentos morais. Essa análise psicológica é de fundamental importância no âmbito sociológico e jurídico, dado que entender a sociedade e o Direito demandam compreender o indivíduo que perfaz o meio social e que será objeto de regulação pelo Direito. Ora, como relata o mencionado autor, explicando sua obra, para o ser humano “a possibilidade de uma auto-relação imperturbada se revela dependente de três formas de reconhecimento (amor, direito e estima)”. É nesse sentido que deve ser analisado mais precisamente o caráter especial do Direito de Família que possui, por essência, não só uma dimensão jurídica envolvida, mas uma dimensão psicológica de que não se pode escapar. Nesses termos, a ADI 4.277, que viabilizou o reconhecimento da personalidade jurídica da união de pessoas do mesmo sexo, é entendida como uma forma expansiva do Direito nessa dimensão psicológica de que fala Honneth, no sentido de aumento do reconhecimento social.
  É peculiar a importância do Direito nesse processo de reconhecimento, pois, como dito, ele acaba por envolver uma dimensão psicológica e jurídica, quanto a esta última vê-se que, no caso da ADI 4.277, uma perspectiva sociológico-jurídica se fez presente, pois a resolução da situação jurídica daqueles que vivem com pessoas do mesmo sexo não estava concluída. Exemplo é o caso ocorrido há doze anos, portanto, antes do julgamento da ADI 4.277, em que o STJ reconheceu o pagamento de pensão por morte a um homossexual que conviveu com seu parceiro por 18 anos considerando discriminatório excluir parte da sociedade nesse quesito. Situações como essa demonstravam, segundo entendeu o STF, circunstâncias jurídicas passíveis de resolução, são elas, aliás, ilustrativas do papel basilar que o Direito tem no engendramento do reconhecimento de que trata Honneth. Ademais, como salienta o autor, um dos pilares desse reconhecimento é justamente o papel da reciprocidade nas relações humanas e, como se sabe, estando estas ligadas ao Direito, a reciprocidade expressada nas relações jurídicas aumenta a viabilidade do reconhecimento social como um todo.
       Como ressaltou o relator dessa ADI, o Ministro Ayres Britto, na conclusão de seu voto, a união de pessoas do mesmo sexo deve configurar um “reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união estável heteroafetiva.” Nesse mesmo sentido, relembrou a Ministra Cármen Lúcia que a esfera privada dos indivíduos deve ser respeitada como tal: “pode-se não adotar a mesma escolha do outro; só não se pode deixar de aceitar essa escolha, especialmente porque a vida é do outro e a forma escolhida para se viver não esbarra nos limites do Direito.” Tal entendimento demonstra o caráter expansivo por que passa o Direito no progressivo reconhecimento de situações da vida civil de que não se pode desprezar. Nessa direção, inclusive, foi que entendeu o STF no julgamento da ADI 4.277 ressaltando em sua ementa princípios constitucionais de recusa do preconceito, devendo, nesse sentido, ser interpretado o artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro.
    Com isso, é conclusivo estabelecer que o Direito é fator crucial da reciprocidade de que fala Honneth. Não obstante a presença de conflitos sociais permanentes na busca pelo reconhecimento de direitos, o autor a ressalta o caráter fundamental dessa luta. O caso do julgamento da ADI 4.277 é um exemplo notório que se pode compreender nessa direção expansiva do reconhecimento tomando por base o entendimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal- STF.


Gustavo de Oliveira- 1º ano noturno

Compensação por ausência na discussão dos julgados do dia 16/11

             Ao se traçar uma linha de raciocínio que coadune com o reconhecimento jurídico de uniões estáveis em relações homoafetivas, deve-se levar em conta uma análise aprofundada e cuidadosa dos tópicos da legislação brasileira que, seja no âmbito do Direito Civil ou Constitucional, lidam com essa matéria, pois o entendimento que se obtém a partir de uma pura interpretação literal da lei entra em conflito com um dos mais sagrados elementos jurídicos do ordenamento brasileiro: o conjunto de princípios constitucionais consolidados junto à carta de 1988.
            A equívoca conclusão que se obtém sobre este tema a partir da mera literalidade na análise, mais especificamente, do § 3º do artigo 226 da Constituição Federal e do artigo 1723 do Código Civil, não satisfaz uma apropriada abordagem sobre o assunto. Pondera sobre tal questão, ao menos no âmbito constitucional, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, durante seu voto acerca do tema: “o fato de a Constituição proteger a união estável entre homem e mulher não significa uma negativa de proteção à união de pessoas do mesmo sexo”. Ou seja, a Lei Maior não seria, na visão do Magistrado, exaustiva ao lidar com tal matéria.
            Na mesma ocasião, o também ministro do Supremo, Luiz Fux, argumentou acerca do respeito aos já mencionados princípios constitucionais. A existência de princípios como o da liberdade, da isonomia e da dignidade da pessoa humana implicaria no inevitável resultado de se estender aquilo que se entende por união estável às relações homoafetivas. Nesse âmbito, não haveria argumentação que satisfatoriamente sustentasse o contrário, pois os princípios são claros. A insistência no contrário a essas afirmações revelaria, inevitavelmente, uma situação de intolerância.
            Também levando em consideração o conteúdo associado não só às leis que abordam essa matéria, mas também dos princípios constitucionais, Marco Aurélio Melo, também ministro da Suprema Corte, promove cuidadosa abordagem. O juiz traz à tona um caso dos anos 50, que dizia respeito à descriminalização da homossexualidade na Inglaterra, utilizando essa alusão para questionar a moral coletiva, que é vaga e, por vezes, preconceituosa, além do Direito, que não pode se ver orientado única e exclusivamente por essa moral.
            Além disso, Marco Aurélio é cuidadoso ao analisar aquilo que se define como família segundo a interpretação das normas, situações e tendências jurídicas vinculadas à Carta de 1988. O próprio advento da união estável é prova da necessidade de se trabalhar com a ideia de que a concepção de família que predominou em tempos passados não mais é conveniente ou apropriada, pois requisitos como o patrimônio e a reprodução deram lugar a elementos como o carinho e a identidade, que passaram a constituir os reais fatores caracterizadores da família. Por conclusão lógica, aponta o magistrado que não existe razão para não se reconhecer as relações homoafetivas como uniões estáveis, tendo em vista que ambas podem possuir tais elementos caracterizadores

            Ademais, o ministro ressalta ainda um tópico particularmente marcante: a maneira como o não reconhecimento das relações afetivas entre indivíduos do mesmo sexo como uniões estáveis ofende o princípio da dignidade da pessoa humana. Entende-se que a busca por um ideal de família e sociedade, pautado em preceitos puramente morais ou mesmo preconceituosos, toma tais indivíduos como meros objetos a serem afastados, censurados, negligenciados ou mesmo oprimidos na busca dos mencionados fins, o que caracteriza a ofensa: uma instrumentalização do ser humano.
Higor Caike, 1º ano, Direito - Noturno