Eu sempre achei que o conservadorismo até hoje existente na sociedade era apenas falta de reflexão aliada à comodidade dos mais velhos. Porém, hoje descobri que tudo isso se deve também à Comte.
Comte, defendendo a ordem, as instituições estáticas, me fez ir à missa todo o domingo durante a minha infância e adolescência e me impediu de contar aos meus pais que simplesmente não tenho nenhuma crença religiosa. Me fez ser julgada pelas minhas roupas, que não me cobrem o suficiente. Me fez ser julgada por começar a beber, afinal, sou mulher. Me impediu de deixar meus pais saberem que tenho uma vida sexual ativa, já pensou se eles descobrem que sou puta e não me guardei para o casamento? Me impediu de ter uma relação próxima com meus pais, afinal, estou abaixo deles na hierarquia da minha família. Me fez ser julgada pelo modo que levo meus relacionamentos amorosos: aberto? súbito? pouco duradouro? Comte também me faz ter medo de engravidar, não poder abortar e ser julgada por isso. Além disso, Comte me distanciou dos meus pais só por eu ter uma ideia diferente sobre as temáticas sociais, o papel do Estado e a necessidade de hierarquia.
Graças à Comte, eu também não tive autonomia para escolher livremente o curso que faria na faculdade. Letras não dá futuro, nem história e nem geografia. "Por que você não faz medicina ou engenharia? Eu não paguei escola para você à toa".
"Ordem e progresso". Meus pais nunca estudaram sociologia mas seguem à risca as ideias de Comte. Felizmente comigo foi diferente, prefiro enfrentar a ordem imposta e procurar novos conceitos de progresso.
Rafaela Carneiro Gonella 1° ano Direito matutino
Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
sexta-feira, 11 de agosto de 2017
O ciclo da ordem
“Todo dia ela faz tudo
sempre igual
Me sacode às seis horas
da manhã
Me sorri um sorriso
pontual
E me beija com a boca
de hortelã
Todo dia ela diz que é
pra eu me cuidar
E essas coisas que diz
toda mulher
Diz que está me
esperando pro jantar
E me beija com a boca
de café
Todo dia eu só penso em
poder parar
Meio dia eu só penso em
dizer não
Depois penso na vida
pra levar
E me calo com a boca de
feijão
Seis da tarde como era
de se esperar
Ela pega e me espera no
portão
Diz que está muito
louca pra beijar
E me beija com a boca
de paixão
Toda noite ela diz pra
eu não me afastar
Meia-noite ela jura
eterno amor
E me aperta pra eu
quase sufocar
E me morde com a boca
de pavor
Todo dia ela faz tudo
sempre igual
Me sacode às seis horas
da manhã
Me sorri um sorriso
pontual
E me beija com a boca
de hortelã”
Cotidiano – Chico Buarque
Pode ser interpretado
na música acima a teoria positiva de Comte. Visto que tal teoria parte do
princípio de que os indivíduos deveriam aceitar a estrutura existente, assim
como os seus respectivos “lugares sociais” sem a contestação, o indivíduo da
canção apesar de pensar em poder parar, “se cala com a boca de feijão” e assim
faz diariamente, aceitando a ordem e a rotina em que se insere. A honra
relacionada ao trabalho ocasiona uma padronização social, pois procuraria
direcionar os indivíduos às premissas estabelecidas para um funcionamento da sociedade
carregado de ordem e posteriormente de progresso, ou seja, é criado um esforço
disciplinador da sociedade burguesa cruzada por contradições.
Maria Eduarda Ferrari Leonel - 1 Ano de Direito - Noturno
O preço do Bem Estar
A emergência de uma sistematização de conhecimento em meados do século XIX traduziu as transformações que por sua vez desabrochavam na referida era. Nascia para o mundo o Positivismo. Concebido de forma conjunta com as transformações sócio-espaciais, este adentrou no rol das ciências com a finalidade de estudar uma sociedade que se encontrava sob sucessivas metamorfoses. Os esforços de uma interpretação científica do inconstante meio trazia consigo uma vigilância niveladora de normalidade. Os acontecimentos sociais obedeceriam, portanto, a leis específicas, os fenômenos e anomalias teriam em seu cerne explicações similares. A história das civilizações teria algo em comum - todas elas tinham uma maneira congênere de explicação da sociedade, seja a ideológica, a metafísica e, agora, a atual positivista com o triunfo da razão;
Essa abcisão niveladora que tinha, conforme exposto, o objetivo de homogeneizar a sociedade e, assim, atribuir explicações comuns para anomalias distintas, pôs fim a algo inerente ao meio social - a individualidade. Ainda que a referida ciência priorizasse a união dos indivíduos como algo benéfico para o bem comum, a essência do ser humano foi deixada de lado como algo também contribuinte para a construção da sociedade. O sistema fora assim criado como uma associação simbiótica entre coletividade e meio, de modo que, separados, tendem a decadência. Desse modo, qualquer desvio do pré-estabelecido seria apontado como fora da normalidade.
Em uma manhã comum, a qual a rotina outra vez tomaria conta, Gregor Samsa abre os olhos. O despertar veio acompanhado de certa estranheza outrora nunca sentida. Os movimentos estavam limitados por uma rigidez contestável. Após certa dificuldade em se levantar, a explanação veio a tona por meio de seu reflexo no espelho - ele havia se transformado em uma barata. A mãe de Gregor era a ponte que ligava o pai - que não queria vê-lo - ao filho. E por mais que seus instintos maternos tentassem protegê-lo e forçassem-na a amá-lo, o menosprezo e o receio pelo anormal eram responsáveis pelo desejo incontrolável de tirar a vida do próprio filho. Gregor morreu em decorrência de uma ferida causada por uma maçã que sua mãe jogara em suas ´´costas´´. De maneira análoga a crônica de Kafka, a sociedade positivista NÃO se une para acolher e nivelar o anormal em seu seio. É como se olhassem uma árvore de caule torto separadamente do solo da floresta que assim o fez nascer. A individualidade, as diferenças, AS ESCOLHAS são colocadas em segundo plano para que o bem comum possa prosperar. A união que se incita atualmente prevê apenas prestígios materiais que fogem à dor do ser. As ´´baratas´´ que dia pós dia são vítimas de ataques de maçãs revelam até onde a ciência não consegue - e nunca conseguirá - enxergar. A destreza do homem hodierno olvida-se que, quando tocar uma alma humana, precisa ser apenas outra alma humana.
O entendimento do corpo social é deveras complexo para que seja ajustado a teorias exatas e leis engendradas. Mas, em algo, Comte estava certo - a concórdia entre os indivíduos tem força suficiente para moldar e ajustar o progresso no caminho certo.
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Ana Carolina Ribeiro - 1 ano de Direito - DIURNO
Oração da filosofia positivista
Dos tempos idos nos livre
Da razão não atribuída aos eventos
Mas com o que foi não
se preocupe
Apenas com o que é se ocupe
Ó, método, ferramenta niveladora
Nos traga a unidade necessária
Das ciências todas se encarregue
Da razão se abasteça
Observação, conosco conserve
Tudo aquilo que ser parecer lei
E descarte tudo que for apenas da vontade do rei
Nos ajude a entender o mundo para prevê-lo
Ao nosso lugar nos encaminhe
E aqueles que saírem do papel, humilhe
Afinal, ninguém é maior que a ordem científica
E a ninguém cabe a ameaça ao desenvolvimento
Que não investiguemos as causas primeiras
Que não sejamos distraídos da defesa da estática
Que apenas com o atual nos ocupemos
Afinal de contas, o que nos importa é apenas o funcional
Pouco nos importa tratar as questões em seu todo, de
maneira ideal
Tatiane E. Lima - 1º Ano de Direito - Matutino
Tatiane E. Lima - 1º Ano de Direito - Matutino
A consolidação de preconceitos existentes na ordem social à educação metafísica.
Augusto Comté, filósofo francês nascido em 1798, consolidou
sua teoria sobre a filosofia positiva há mais de um século. No entanto, tal
teoria ainda consta em nosso século e é presente até em pensamentos políticos
de nossos líderes nacionais. Em uma de suas observações, Comté deixa sua
preferência pela observação direta através da ciência, para a previdência do
ato e efetuar sua ação. Em tal linha de raciocínio, aplica-se
consubstancialmente a supervalorização das ciências técnico-científicas,
concretizadas no positivismo, enquanto evolutivas para a humanidade em
detrimento das ciências humanas, e se trazido para o mundo contemporâneo,
relaciona-se com preconceitos e esteriótipos vivenciados em diversas profissões
e cursos especializadores que tem como base a educação metafísica.
Para o
filósofo, assim como para muitos preceptores do poder, as ciências humanas são
vistas como perigosa, porque trazem a tona nos seres humanos sentimentos de
transformação e melhora, que apesar de objetivar o avanço, precedem
contrariedade às leis naturais e o modo de atuar a que estamos familiarizados.
Tal ideia tende a ser lógica, vez que se torna descomplicado agir sobre o
preceito de reinserir o indivíduo na normalidade, e não mudar um sistema que é
passível de falhas. A naturalização de itens antes errados não sustenta o
positivismo de manter a aptidão de agir, estática, e, dinâmica, a ação efetiva.
Além disso, quando há mudança – tal termo é o único possível empregado ao
relatar o Brasil, visto que até hoje nenhum movimento antes ocorrido pode ser
considerado revolucionário – na ordem, ela é muitas vezes feita pelos próprios
governantes, para que se possa a todo custo “desestabilizar dentro dos
padrões”.
Através
disso, se transfere à tona a subestimação dos cursos de humanas em nossa
sociedade, com diversas sátiras e ironias, e até mesmo com repreensão da
família na escolha desses curso pelos descendentes. Bordões que valorizam o
dinheiro que tais profissões muitas vezes não conseguem trazer, até mesmo pela
falta de reconhecimento somada ao fator de serem menos voltadas para a
indústria para o modo de produção aplicado, acabam por reprimi-las do convívio
social e são deixadas de lado. É o caso da reforma do ensino médio, que
proporciona aos alunos escolherem cursos dos quais tem mais aptidão, e eliminar
matérias até então obrigatórias, como Sociologia e Filosofia, que se analisadas
com mais clareza englobam não só a profissão que o estudante seguirá, mas
também sua convivência e relação com outros à sua volta até mesmo no trabalho.
Dessa
maneira, a teoria proposta por Augusto Comté proporciona muitas reflexões à
temáticas tão implícitas no mundo contemporâneo que passam muitas vezes
despercebida. A consideração deixada neste texto consiste na superestimação das
ciências focadas no trabalhador eficiente enquanto “gorila domesticado”, tal
como explicita Taylor, que age maquinalmente e não questiona a sociedade e a
sistemática inserida, acarretando a longo prazo a disfunção do pensar
criticamente, tornando a educação metafísica algo banal e subestimado.
Michelle Fialkoski Mendes dos Santos - 1° ano Direito Diurno
Michelle Fialkoski Mendes dos Santos - 1° ano Direito Diurno
Pragmatismo positivista
O positivismo busca apenas explicar
os fenômenos apenas pela vinculação entre fenômenos, não pela essência das
coisas. O mesmo acontece com as relações humanas. Essa corrente tenta explicar
todas as ações e situações com base nas experiências vividas, sem levar em
conta todo o contexto que levou à ocasião.
As pessoas, afetadas pela perspectiva
positivista, veem no trabalho uma fonte de dignidade, sendo assim, necessário
para a convivência em sociedade, pois essa impõe uma necessidade de honra e
dignidade.
Para o meio social, só é digno aquele
que desenvolve uma função para o todo. Qualquer função que seja benigna para
uma maioria é motivo de dignidade para a pessoa.
Mas até que ponto essas imposições de uma
sociedade são boas para uma pessoa? Até que ponto a normalidade é realmente
necessária?
As normas são provindas da
necessidade humana de um padrão de normalidade para que as desvirtuações possam
ser punidas. Apesar de parecer necessário, e embora eu até concorde que esse
padrão reja o meio em que vivemos, as normas nem sempre afetam de forma
positiva a vida das pessoas, ainda mais na perspectiva positivista.
Essa perspectiva é pragmática demais
para lidar com pessoas que tem histórias e realidades diferentes, pois a norma
prevê um desvio e a partir dele uma punição. Mas, quando se lida com pessoas, é
difícil entender a situação que levou ao desvio, mas é ainda pior fingir que
essas situações não existem e não exercem influência sobre as ações das
pessoas.
Apesar disso, os desvios não podem ser
tão frequentes a ponto de afetarem a concepção de normalidade, para que o meio
social consiga manter certas normas e costumes.
Sendo assim, todos sabemos da
dificuldade de aceitar os desvios e entender as situações que levaram a eles,
mas como lidamos com seres humanos, precisamos ao menos tentar que as normas
não sejam aplicadas de forma tão pragmática, contrariando a perspectiva
positivista.
Maria Antonia de Paula 1º Direito Diurno
Superficialidade procústica automatizada
Com a emergência da Revolução Industrial, em meados
do século XVIII, constatou-se, não raro, uma organização sistemática e hierarquizada
da sociedade. Tal processo fomentou o surgimento de classes antagônicas no que
se diz respeito ao capital. Enquanto a burguesia detinha este, o proletariado o
almejava (sendo necessária a venda de sua mão de obra). Analogamente às
engrenagens de uma fábrica, a sociedade industrial dispunha de certa ordem
motriz embasada em preceitos de leviandade, padronização e automação. Assim,
entre superficialidade disseminada, sistematização arraigada e robotização crescente,
a sociedade industrial instaura-se, sendo de importância fulcral para a propagação
do sistema capitalista.
Na obra “Modernidade Líquida”, o sociólogo polonês Zygmunt
Bauman discorre sobre a progressiva superficialidade e fragmentação das relações
humanas, fato que é potencializado pelo incessante imediatismo no qual a sociedade
submete-se. Tal atestação finda com uma crise identitária humana, visto que instituições
antes sólidas (Igreja, Estado, família, etc) acabam por liquefazerem-se. Antagonicamente
à circunstância comprovada por Bauman, o filósofo francês Auguste Comte
discorria que as instituições não deveriam ser dissolvidas, e sim
solidificadas, servindo como meio para gerar a moral e equilibrar a sociedade
industrial, fornecendo a ordem (pressuposto indispensável para o progresso humano).
No mitologia grega, Procusto fora um homem obcecado
pela sistematização, submetendo viajantes à uma cama previamente ajustada. Caso
fossem demasiadamente altos, Procusto amputava suas pernas, caso fossem menores
que a medida estabelecida, o homem esticava os membros da vítima. Em um contexto
hodierno, tal mito simboliza o anseio de padronizar. Comte, ao defender leis invariáveis
da sociedade e ao focalizar somente em fatores imediatistas, propicia a disseminação
de padrões, fomentando o estabelecimento de ordens estáticas e de arquétipos
pré- definidos.
Ademais, a obra distópica “Admirável Mundo Novo”, de
Aldous Huxley é crucial para analisar a robotização crescente na qual a
contemporaneidade insere-se. Nesta distopia, uma sociedade futurista é
hierarquizada, sendo o destino de seus membros definido em laboratório. A
felicidade é alcançada com o “soma” e a automação de todos os aspectos
existenciais arraiga-se. Analogamente, em uma sociedade na qual a robotização é
enaltecida e a ordem é sinônimo de prosperidade, temos a instauração de ideologias
fixas, as quais transcendem o questionamento e devastam particularidades.
Finalmente, a filosofia positiva de Comte, a qual explicita-se
como concreta, científica, racional e empírica desvela-se inábil para embasar
os preceitos de uma sociedade, uma vez que perpassa as causas primeiras,
desdenha as peculiaridades e alicerça suas concepções em moldes. Basicamente,
engrandece teorias, desprestigiando a prática. A superficialidade procústica
automatizada é pútrida, tal qual a ideologia comtiana.
Isadora Mussi Raviolo - 1º ano Direito Noturno