terça-feira, 14 de novembro de 2017

XXVIII Semana Jurídica

Reconstrução e preservação da perspectiva social do Direito

Na última semana, alunos e profissionais do direito foram convidados à refletir na XXVIII Semana Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista, campus de Franca, cujo tema abordado foi “Reformas Trabalhista e Previdenciária”. Desse modo, o propósito não foi a simples explanação, mas uma leitura crítica das reformas, a  fim de perceber seus problemas e consequências futuras ou, como salientado pela Juíza do Trabalho Dra. Patrícia Maeda, a fim de buscar uma reflexão para “reconstrução do direito do trabalho”.
A terceirização – que não é ideia nova, mas existe desde nascimento do capitalismo como agravante da exploração e, no Brasil, surge em plena ditadura no campo da administração pública – foi o grande foco da primeira noite, onde, desde o início, algumas falácias que orientaram a nova lei da terceirização, como a ideia de que poderia aumentar a quantidade de empregos, foram desmistificadas. Pudemos concluir, orientados pela Dra. Maeda, que a tão prometida “flexibilização”, a qual adaptaria o trabalho à necessidade de cada trabalhador, não passa, infelizmente, de um “eufemismo que significa reduzir direitos”. Ora, é verdade que faltou e falta um amplo debate com a sociedade, pois o princípio da proteção, que visa combater tanto a desigualdade social quanto a material, é de grande necessidade frente à luta pelos direitos dos trabalhadores. Afinal, é inaceitável que os objetivos da Constituição continuem abandonados pela realidade.
Ora, que se verifique os dados que demonstram uma relação direta entre a terceirização e o trabalho em condição análoga à escravidão, percebe-se que quase 90% dos resgatados estavam em condição de terceirizados. Ademais, são consequências da terceirização: a dupla apropriação do resultado do trabalho do trabalhador; a redução salarial; a dificuldade de execução de créditos trabalhistas (pois as empresas desaparecem após falirem); enfraquecimento dos sindicatos; a “invisibilização” no local de trabalho e jornadas de trabalho mais exaustivas, exigentes e perigosas. Contudo, o professor da USP Dr. Jair Cardoso ressalvou que o que temos é um "fenômeno social da terceirização normatizado em favor do capital" do modelo neoliberal (o qual tem por objetivo precarizar o trabalho) e não uma nova lei, pois, em sua visão, a norma jurídica não cria nem transforma, mas regulamenta um fato existente. É por isso que tratamos de questões delicadas, no sentido de que precisamos refletir sobre o fenômeno social com base na dignidade da pessoa humana, pois não há, segundo o professor, uma resposta pronta este problema. Enquanto o Estado deve terceirizar, pois deve ser enxuto e leve, também deve-se dar segurança e pensar na proteção do trabalhador como um todo, inclusive em seu descanso.  
Quanto à Reforma previdenciária, tem-se uma infelicidade inicial pela PEC ter sido uma proposta exclusivamente da equipe econômica do governo Temer, isto é, nenhum profissional da área do direito foi convocado. Dessa forma, na medida em que qualquer mudança nesta geração impacta no gozo de direitos sociais de gerações futuras, devido ao rigor constitucional de uma PEC, a probabilidade de recuperar nosso patamar protetivo constitucional (inicial), segundo a professores Julia Lenzi, será praticamente inexistente segundo o que temos como tendência histórica. Ou seja, tem-se buscado extinguir qualquer perspectiva de direito social previdenciário para reduzi-la a um mero seguro social. Seguro este que excluirá, de acordo com o IBGE, 80% da classe trabalhadora.
Primeiro, foram abordadas as falácias desta reforma, como a de que as “Superaposentadorias” é que estariam comprometendo a estabilidade da previdência. Ora, foi apresentado na Semana Jurídica o chamado teto previdenciário, equivalente a 5.000 reais, onde, então, estariam essas superaposentadorias? Além disso, outro dado importante é de que 92% dos benefícios previdenciários tem valor de até 3 salários mínimos, apenas. Mesmo assim, afirma a professora Lenzi que a previdência sustenta a economia dos pequenos municípios. Mais precisamente, 70% dos municípios brasileiros. Dessa forma, o que é repassado a título de  benefícios previdenciários supera o que é repassado pelo fundo de participação dos municípios. Há também a questão do conceito de sobrevida. Diz-se que expectativa de vida no Brasil é de 80 anos, mas esta estatística apenas tem por base pessoas que já completaram 50 anos, cuja chance de alcançar alta idade é grande, de forma que a sobrevida cresce mais do que a expectativa de vida, e sua utilização no caso, portanto, é um erro. Na realidade, pessoas, sobretudo negras, morrem antes dos 50 anos, quer dizer, elas morrerão sem receber qualquer benefício.
Entretanto, mesmo para as pessoas que os receberão, o modelo misto – para o qual não basta idade mínima (65 e 62), como é necessário, também, tempo mínimo de contribuição de 25 anos (contabilizados apenas os meses de efetiva contribuição ao INSS) – garante apenas 70%   do salário de benefício, o que significará, para a maioria, 1 salário mínimo. Para que se obtenha 100%, deve-se ter uma contribuição de 40 anos, mais idade mínima. Além disso, benefícios de pensão e aposentadoria superiores a 1 salário mínimo não serão acumulados, apenas se os dois foram exatamente equivalentes a 1 salário mínimo. Mais uma vez, orientados por Lenzi, verificamos um ferimento ao princípio seguritário, pois as origens distintas dos benefícios deveriam garantir sua acumulação.
Por fim, está claro tanta reforma trabalhista como reforma previdenciária foram e são pouco debatidas no Direito, por isso a importância fundamental de eventos, como a XXVIII Semana Jurídica, que coloquem estes assuntos em pauta. Principalmente devido à feliz possibilidade do Direito ser usado para promover mudança social, o que só ocorre se garantirmos sua perspectiva social e combatermos as soluções liberais, as quais não são novos arranjos, mas tentativas de eliminar obstáculos ao mercado, isto é, fazer o direito retroceder e o capital avançar, pois, infelizmente para os trabalhadores, “a engrenagem precisa ser girada”.

Diogenes Spineli Soares Filho, 1º ano, Direito Noturno.


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