sábado, 11 de novembro de 2017

Reforma Náufrago

A luta por uma legislação que assegure os direitos da classe trabalhadora brasileira é antiga e cravejada com ganhos e perdas. Passou, no século XX por uma evolução um tanto quanto significante, representada pelas políticas varguistas e tendo sua mais alta expressão na Consolidação das Leis trabalhistas (CLT). E, atualmente, é justamente essa conquista que está sofrendo uma das maiores ameaças pelas metamorfoses do mundo do trabalho. Isto é, metamorfose pois não se pode denomina-las avanço, parecendo, segundo muitos especialistas um retrocesso forçado ao povo brasileiro. Não são claros os discursos das autoridades para legitimar essas mudanças, muito menos as metodologias por eles empregadas durante o estudo e elaboração das novas leis que modificam as relações trabalhistas, bem como a situação previdenciária brasileira, muito menos quem são os interessados nessas.
Presidente da Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), o Doutor Kleber Cabral defende a ideia de que foi feito o uso de ferramentas erradas para estabelecer a reforma previdenciária. Não é feita uma avaliação tridimensional da realidade brasileira, levando em conta a conformidade social, a sustentabilidade e normatividade da reforma projetada. A justificativa daqueles que defendem a PEC 287/16, relativa à reforma da previdência, é embasada na transição demográfica que o país vem passando, na inversão da pirâmide demográfica em que a base não mais sustentará o topo, visto que o Brasil apresenta um sistema previdenciário de repartição simples em que uma geração arca com os custos da sua antecessora, porém as propostas para a reação à essa inversão ocorrem espelhadas em sistemas de países que já passaram por tal fenômeno e apresentam uma infraestrutura totalmente diferente da brasileira, a começar pela expectativa de vida que nesses países ultrapassa os oitenta anos e no brasil aparece na casa dos setenta e cindo anos de idade. Estes fatos servem de embasamento não só para entender o processo de modificação previdenciário, mas das leis trabalhistas como um todo.
Os sindicatos, uma das principais fontes de luta e conquista dos trabalhadores, estão perdendo forças frente às mudanças propostas na reforma trabalhista. Esta prevê o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, o fim da intermediação do sindicato entre patrão e empregado, entre outras propostas que visam cercear a atuação sindical. A uma primeira análise parece justo que o trabalhador seja mais ativo quanto às suas questões particulares e que escolha se contribuirá ou não com a contribuição sindical, mas projetando essas práticas na atual realidade brasileira nota-se que os sindicatos irão perder sua força e as lutas das classes trabalhadoras ficarão mais difíceis e dispersas. Como dito anteriormente, o aparato sindical foi o responsável por inúmeras conquistas da classe, isso ocorre devido à capacidade que essa organização tem de agrupar um conjunto de profissionais e lhes dar voz para que sejam atendidos em seus anseios e justiçados em sua atuação. Como o operário da Construção de Chico Buarque que “morreu na contramão atrapalhado o tráfego”, os sindicatos serão aqueles que morrerão na contramão atrapalhando a modernidade daqueles que têm o poder.
Quem poderia, então, desejar que tais medidas fossem aprovadas e aplicadas ao povo brasileiro, que direitos fossem cerceados e possibilidades diminuídas? Certamente uma classe que não é formada por aqueles que serão diretamente afetados por estas, por aqueles que em número não chegam nem perto da classe trabalhadora, mas que em questões de poder estão muito acima, que distorcem a linha da democracia como se fosse mais uma de suas ações no mercado. Os interessados nessas reformas são as grandes empresas, os grandes proprietários que só têm a ganhar com a flexibilização do trabalho, com a extensão da jornada de trabalho a 12 horas diárias, com a flexibilização das férias e do período de descanso, bem como a livre iniciativa do trabalhador para “debater” com seu empregador sobre suas questões legais.  Um exemplo disso é que, atualmente, a JBS é uma dos maiores devedoras da previdência e vem sendo premiada com isso, como tantos outros, a partir de refis aplicados pelo governo. Como se não bastasse, o relator da PEC já citada aqui, Henrique Meireles tem vínculos com grandes bancos internacionais com interesse nessas reformas. Basta uma rápida observação das propostas de metamorfose dos direitos trabalhistas para compreender que o trabalhador atualmente não passa de um objeto para a construção dos projetos das grandes corporações. A análise da canção “Construção” de Chico Buarque aqui se faz elucidativa para entender a verdadeira metamorfose em processo, a metamorfose do trabalhador em máquina, sem férias, descanso ou expectativas de um dia realmente gozar da própria existência. Para este trabalhador em construção basta o último verso da cansão:
“Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague”

Felipe Cardoso Scandiuzzi - 1ª ano - Direito Matutino  

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