segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Autoritarismo Moral para Aniquilar Inimigos

Cabisbaixo, sério e concentrado, caminhava por uma estrada de curvas sem fim. Embalado pelos fones de ouvido e perdido em pensamentos que gritavam vozes surdas para ninguém ouvir. Impossível dizer se aquela estrada levava a uma escadaria para os céus ou se findaria em uma estrada para o inferno. Eram demasiadas as curvas e os desvios, e nenhuma alma encontrada pelo caminho se dispunha a ajudar. Não tentavam entender, não queriam reconhecer. Não estavam interessados em compreender, sequer se importavam em ver. Apenas olhavam para julgar e criticar. Não viam um humano, não viam um diferente. Apenas viam um inimigo. Viam apenas o que queriam ver…
Vivemos em uma sociedade complicada, caminhamos por uma estrada turbulenta. Dentre os inúmeros problemas enfrentados, um parece se destacar à maneira que, direta ou indiretamente, reflete todos os outros. Temos uma enorme dificuldade em conviver com diferenças, e em uma sociedade plural como a evidenciada na contemporaneidade (“ainda bem!” e, para os que preferirem, “graças a Deus!”), infelizmente percebemos ainda mais gravemente esse problema. Nos organizamos em micro e macro grupos em expansão, determinados por gostos, ideologias e características em comum, e vemos nos demais grupos marginalizados, inimigos sociais que ameaçam nossa vida em sociedade. O diferente não é um diferente, ele é meu inimigo. Ele é um criminoso. Vivemos sob uma dicotomia extremada de amigos e inimigos. Não há adversários, não há antíteses, não há diálogos. Somente certos e errados, sem pluralidade, sem tolerância, sem respeito, sem reconhecimento. Apenas inimigos… e inimigos devem ser aniquilados.
Sob essa perspectiva, temos uma política caótica e um Estado conturbado. Em tese, o Estado Democrático de Direito se marca pela limitação do poder estatal, utilizado principalmente como instrumento para assegurar o desenvolvimento da personalidade de todos os indivíduos, permitindo que cada um realize os seus projetos pessoais lícitos. Igualdade, Liberdade, Dignidade e Segurança… palavras bonitas, sentimentos louváveis, mas que não refletem a realidade. Nessa sociedade dicotômica, não parece ser bem isso o que queremos. Tomemos sob perspectiva as lutas sociais pelo reconhecimento de direitos na união homoafetiva. O que evidenciamos é um claro autoritarismo moral que clama por um Estado autoritário hobbesiano, em que a divindade bíblica irá punir os inimigos e estabelecer a ordem para os “cidadãos de bem”, para os “certos na história”. Não importa se minha liberdade será relativizada e usurpada, desde que os inimigos marginalizados do meu seleto grupo, desde que os que pensam e agem diferente do que eu julgo moralmente correto, sejam aniquilados. A homossexualidade constitui fato da vida que não viola nenhuma norma jurídica e, por si só, não é capaz de afetar terceiros. Tudo o que se visa é o respeito e o reconhecimento, bem como a tutela estatal de todo tipo de família. O núcleo familiar é o amor, sem importar os entes envolvidos. A sociedade atual carece por respeito e exagera em falsos moralismos.
A demanda social quanto a tal reconhecimento se dá sob três prismas: amor, direito e estima. Axel Honneth parte dos conflitos sociais analisando sentimentos morais e utilizando da dialética hegeliana. Diferentemente de Marx, ele não prega a solução por via de uma revolução, mas focada em um reconhecimento recíproco. Assim, a solução para essa dicotomia amigo/inimigo se daria por um reconhecimento individual pelo “amor”, que refletiria no “direito” e estabeleceria no “estima” o reconhecimento social. Entretanto, evidenciamos um grave problema nessa esfera do “amor”. Segundo Honneth, a aquisição da capacidade de estar só gera autoconfiança. E a autoconfiança seria base para o reconhecimento nessa esfera. O que identificamos é uma enorme dependência dos indivíduos, que não conseguem se sentir bem consigo mesmos, que não conseguem reconhecer a si próprios e se aceitar como são. A forte dependência para com o Estado, para com outros indivíduos e para com autoritarismos morais, limita o reconhecimento e instaura o desrespeito.

Enquanto caminharmos por esta estrada enxergando apenas amigos e inimigos, tentando aniquilar os diferentes encontrados em cada curva e impor autoritarismos morais, não importa o que nos espera no fim do caminho. Pior do que demorar a chegar, ou chegar em um lugar que não gostar, é caminhar e caminhar, para jamais chegar em nenhum lugar.

Abner Santana de Oliveira - 1º Ano, Direito, Noturno.

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