segunda-feira, 27 de novembro de 2017

A violência do Estado e o cerceamento à autodeterminação da figura feminina

Diante todo o processo de judicialização da saúde que o Brasil tem apresentador hodiernamente, o tema da interrupção terapêutica da gravidez em caso e anencefalia do feto chegou à Suprema Corte em 2012. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54/DF versa sobre a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal de que essa interrupção seria tipificada como um crime. Essa arguição, que tem como requerente a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, busca colocar em jogo não somente a criminalização dos profissionais que realizarem o procedimento médico, mas também da mãe que passou pelo mesmo.
            Como um dos pontos de argumentação do requerente, algo também expresso no voto do Ministro Marco Aurélio, está a saúde da gestante. Deve-se ressaltar, como estipulado pela Organização Mundial de Saúde no preâmbulo de seu ato fundador de 1946, que a saúde não está relacionada apenas à ausência de enfermidade, mas sim ao bem estar físico, mental e social da pessoa. Obrigar uma mulher a prosseguir a gravidez comprovadamente anencefálica é submeter, não somente a ela, mas também a sua família, a uma crueldade e usurpação de sua plenitude psíquica, além de por em risco a vida da mulher.
            Essa violência imposta pelo Estado através de ordem jurídica foi tratada por Pierre Bordieu no livro “O poder simbólico” ao abordar a questão dos vereditos. Segundo o autor, esses enunciados proclamados por uma autoridade socialmente reconhecida que resolve um conflito baseado em diferentes pontos de vista singulares impõem uma sanção que pode ser vista como um ato de coerção física que se manifesta de acordo com a visão soberana do Estado – detentor do monopólio da violência simbólica legítima. Ou seja, no caso discutido pela ADPF 54, além de impor dor, angústia e frustração que vão contra o princípio da dignidade da pessoa humana, o Estado institui sobre a vida dessa mulher uma decisão que foi construída com base em uma legislação criada, ao longo de toda tradição jurídica brasileira, por homens que não conseguem sequer imaginar a dimensão do sofrimento causado. O poder de escolha e de decisão da figura feminina é cerceado mais uma vez.
            Hoje a luta feminina está voltada para o seu livre poder de agir, sem que a mulher seja delimitada por concepções jurídicas, morais e sociais que, ainda hoje, são de base patriarcal. A declaração de inconstitucionalidade pelo acórdão mencionado das interpretações retiradas dos ditos dispositivos do Código Penal é um avanço, uma vez retirou a barreira à livre decisão e ao livre agir da mulher ao retirar a necessidade de apresentação de autorização judicial ou qualquer outra forma permissiva do Estado para a realização do procedimento de antecipação terapêutica do parto – como era feito anteriormente – necessitando apenas o seu consentimento. A sociedade fundamentada no machismo torna essa batalha difícil e árdua e o patriarcado usa todos os instrumentos necessários para manter-se dominante; exemplo disso é a Proposta de Ementa à Constituição 181, criada por um grupo de 18 homens brancos que visa proibir a realização de qualquer tipo de aborto. A luta pelos direitos das mulheres e pelo reconhecimento de sua autodeterminação é diária e deve ser feita incessantemente para que, ao final, as elas triunfem. 

Yasmin Fernandes Soares da Silva - 1º ano direito [matutino]

Nenhum comentário:

Postar um comentário