segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Cotas Raciais: a inédita decisão do STF analisada à luz de conceituados sociólogos divergentes

A política de cotas nas universidades públicas, apesar de juridicamente estar pacificada no seio estatal, conforme o acórdão do STF sobre a ADPF sobre cotas raciais na UnB, no âmbito civil esta questão ainda parece pouco resolvida, objeto de polêmicas e embates acerca não da sua constitucionalidade, mas, sim, sobre se é justo ou não a cor da pele ser fator determinante para o reconhecimento de uma reparação histórica ou de um incentivo, como defendem determinados setores progressistas da sociedade, ou se é apenas um privilégio disfarçado concedido, de cunho demagógico, que fere o princípio da isonomia e da meritocracia, como levantado por outra parcela mais conservadora da sociedade.
A verdade é que esse tema é bastante delicado, pois está envolvida uma série de valores culturais, antropológicos, econômicos, sociais, filosóficos que são bastante divergentes, até mesmo conflitantes, de uma pluralidade de indivíduos, mas que apenas de uma gama prevaleceu, passando a falsa ideia de uma sociedade coesa e unida em torno dessa temática; além de que ambas as posições possuem argumentos, projeções e provas bastante convincentes, que ora se contradizem, ora se moldam ao plano factual da vida real.
Para o ilustre sociólogo Boaventura de Sousa Santos, a política de cotas está intrinsecamente ligada à ideia de emancipação social, visto que as pessoas de ascendência africana ou indígena foram explorados por um longo período histórico, possuindo quase ou - sem exagero - nenhum direito, e mesmo após o fim da escravidão negreira e da servidão indígena, ainda continuaram fadados à miséria e à exclusão do contrato social, tendo relegado o acesso a direitos civis básicos, encontrando uma rasa previsão jurídica, reduzida a uma igualdade formal, mas não material. Isso se deve, segundo o próprio pensador a um fascismo social, que sob as suas diversas variações, desequilibra as relações sociais, tornando-as extremamente desiguais, que conduzem a formas de exclusão severas, como ocorreu com os negros, que ficaram segregados em guetos e comunidades, fomentando a exclusão social e o esquecimento dos direitos que lhes são conferidos, - como o da educação -, o chamado fascismo apertheid, tudo isso justificado por uma questão econômica, pela qual o capital se prevalece sobre as questões humanas, o que o autor denomina como fascismo financeiro. Portanto, Boaventura enxerga as cotas como uma política de inclusão extremamente necessária e emancipatória, promovendo a oportunidade de os negros se libertarem dos grilhões da pobreza, da falta de estudos, e fazendo-os ocuparem lugares que são seus por direito e previstos no contrato social, como as universidades públicas, mas que por causa do fascismo social estavam sendo privados deles.
Já para o renomado economista e sociólogo afro-americano Thomas Sowell, a política de cotas é ineficaz, porquanto não soluciona o problema originário da exclusão do negro na universidade: a baixa qualidade do ensino básico. Pois o ingresso na universidade pública é dificultado pela péssima formação escolar do aluno negro, que é assolado pela pobreza e pelo descaso estatal em fornecer um ensino de qualidade. Então, para Sowell, o fator preponderante da exclusão não é a cor da pele ou o contexto histórico do negro, e, sim, a condição de pobreza que não o permite ter uma boa formação escolar, de modo que fornecendo ao estudante negro de baixa renda um ensino básico de alta qualidade, o estudante afrodescente conseguirá ser aprovado na universidade sem precisar de cota alguma, somente com seus próprios méritos.  Além de que, o ensino universitário não será capaz de sanar 10 a 12 anos de ensino básico precário, contribuindo para a evasão acadêmica, já que o aluno negro cotista, não por incapacidade, como assevera o autor, mas sim por não ter suas bases escolares bem sedimentadas, dificilmente consegue se adequar ao ensino superior, que requer conhecimentos prévios. Outra crítica bastante contundente do pensador é a estigmatização do estudante negro, já que uma parcela ignorante da sociedade vê o discente com uma vantagem injusta e questiona erroneamente sua capacidade intelectual, não levando em conta o seu mérito ao se formar, mesmo sendo o primeiro da turma, porque acredita que sempre houve algum benefício, mesmo não existindo após ingressar na faculdade; desse modo, acentua-se mais o preconceito do que o erradica. Também, o autor acrescenta que a política de cotas raciais, nos países que a adotaram, foi utilizada indevidamente por charlatães que se apropriaram de uma ideia para se promoverem social e politicamente, e pouco fazem para sua comunidade ao chegar no poder. Portanto, para Thomas Sowell, a melhor política para fomentar o ingresso do aluno negro e de baixa renda na universidade é o aprimoramento do ensino básico de qualidade, intensificando-o nas áreas mais carentes, visto que, dessa maneira, ele  conseguirá ser aprovado na universidade por seu mérito próprio, sem ser estigmatizado e sem ser utilizado com massa de manobra por políticos demagogos.
A partir das considerações desses dois grandes estudiosos, pode-se concluir que a decisão do STF foi bastante prudente, pois rendeu homenagem à questão histórica do afrodescendente no Brasil e às implicações que lhe causaram a escravidão e a negligência estatal após esse período lamentável, bem como ponderou que é uma política necessariamente temporária, não porque o interesse estatal em ampará-los tem prazo de validade, mas porque é necessário, concomitantemente, aprimorar o ensino básico para que a juventude negra possa receber uma educação de qualidade não só no ensino superior, como também no período escolar, visando efetivar não só o a igualdade formal, mas também a igualdade material.

John. R. Angelim Novais 1º Direito - Noturno


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