segunda-feira, 25 de setembro de 2017

BALADA PARA UN LOCO


            O capitalismo, como um ethos a ser seguido, é, apesar de produtivo, pobre. Veja bem, a palavra usada “produtivo” não tem aqui nada a ver com “construtivo”, isto é, algo que constrói coisas novas. O capitalismo repete algo bem sucedido e, sobre este, deriva incessantemente até ser sua existência tornar-se obsoleta. De forma análoga a tais “coisas”, pessoas também sofrem um processo de repetição incessante, de suas personalidades, até um ser, ou um estilo de ser, tornar-se obsoleto e desprezível. É tal a sorte do capitalista, na dinâmica social em que ele influencia a universalidade e esta à ele, o homem burguês, se ainda é possível chamá-lo assim, é o que tem grande pressão modificante na dialética social. Qual a consequência disso? Utilizando-se de um papel, que não me pertence, de sociólogo diria que a consequência seria uma sociedade cristalizada de costumes e cimentada de desejos. Para melhor ilustrar o que quero dizer, invoco uma personagem: Amélia. Filha de família de alta renda de São Paulo, engenheira civil, amante do cinema hollywoodiano, carrega consigo um volume de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, frequentadora do Café Divano. É neste que se encontra nosa personagem neste momento presente.

            Aproveita seu café expresso, mas de forma expressa, pois não pode se atrasar para o trabalho. Ainda faltava uma reta rua de 1 Km. Rua linda, para seu gosto, casas de simétrico quadrado, bloco sobre bloco edificando prédios altos, brancos: puros. Nada abalava sua casta mente paulistana, nada até o momento. É que, em toda aquela coerência metropolitana, nunca lhe passou pela cabeça a possibilidade de presenciar tão impar figura. Um loco! Carregava em sua cabeça meia melancia carcomida, vinha em sua direção. Em seu desespero pensou em inúmeras formas de se defender do potencial assalto. Gritou, mas ninguém a ouvia, alias somente ela o via. Põe a mão em seu spray de pimenta em sua bolsa. Chega o louco, aproxima-se, levando consigo toda surrealidade possível. Ergue a mão, chamando-a, chamando aquela que a ele aponta um spray de pimenta, inútil agora, porque já arde no coração da moça toda vontade reprimida. A loucura! A irracionalidade a contaminara.

            Amélia sai, então, de seu mundo cubista perfeitamente construído por um engenheiro formado na USP, segue o louco, o qual pela rua perpendicular vai andando até um beco. Sem exitar Amélia entra com ele, do que vê uma carruagem, a carruagem de seu amado. Amado, ahh, quem diria, enfim Amélia encontrara alguém para chamar de seu, para chamar comigo. “Onde vamos?”, pergunta a moça “Para onde não?” ao que contesta o homem. “Por que é tão louco?”, “Por que não? Por que ser coerente em um mundo racionalmente incoerente?”. Era de uma clareza invejável, percebia Amélia, ou de uma insanidade, logo descobriria, independentemente, agora era tarde, já era uma louca também. “Vamos, senhorita, vamos cavalgando por nossas ilusões”. Saem em essa carruagem puxada por um burrinho com tranças tortas na crina, viajam de canto em canto, de tempos em tempos em um baile sem ritmo e cheio de poesia.

Amélia recorda-se então de seu livro, esquecera-o no café, na racionalidade. Não é importante, pensou, o ethos nele escrito não foi algo escolhido por mim, mas sustentado, não mais! A ética capitalista cerceara dela a emoção, mais que isso, o sentimento. É o sintoma de uma sociedade cristalizada de costumes e cimentada de desejos. Nossa heroína não mais se prestaria a tal papel. O teatro de sua vida agora se recheará de emoções, sem esquecer-se da razão, necessária, as vezes. Foi tal a sorte de Amélias, reificadas por si e por todos durante uma vida, não se deixaram entrar na obsolescência. Mudou de ethos, esse que o único sentido da vida é viver.

REFERÊNCIAS: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo - Max Weber; Balada para um Loco, Amelita Baltar, Astor Piazzola

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