segunda-feira, 7 de agosto de 2017

O desmonte científico em Game of Thrones e seu paralelo na contemporaneidade brasileira




“Somos a memória desse mundo [...]. Sem nós, os homens seriam pouco mais que cães, não lembram nada além da última refeição e nem veem nada além da próxima. Quando você sai eles uivam como se você não fosse voltar.”. Guardando as devidas proporções e relativizações que fazem com que o medievo fantasioso e significativamente religioso da série Game of Thrones destoe da realidade, pode-se deferir que as palavras proferidas pelo Arquimeistre - crítica à indiferença pela cientificidade que acomete os Reinos - no início desse excerto, apontam a importância dos estudos e de um protótipo de ciência esquecida e deixada em segundo plano dentro do núcleo da história a qual desenrola-se em um paralelo sútil ao cenário contemporâneo.
             Em Westeros, um dos quatro continentes em que se passa a série, as pessoas que se dedicam à ciência, ou seja, os ‘meistres’, os ‘arquimeistres’ e os seus aprendizes, delegam seus tempos e suas paixões a fim de se dedicarem aos estudos de diversas áreas, principalmente das “ciências naturais”, em um lugar específico chamado Cidadela, reduto de produção de conhecimento apartado das mundanidades buscando empreender, a partir de evidências, experimentações e relatos históricos a sistematização de todo o conhecimento racional produzido até então. Caracteristicamente contrários aos encantamentos míticos que circundam o cerne da série, a Cidadela exporta para além dos Sete Reinos do continente seus meistres, os quais, por sua vez, acabam convivendo e suprimindo, na medida do possível, a ação da religião pelo uso da cientificidade, demonstrando claramente, desde o início, essa como sendo uma forma de disseminar uma nova ordem a ser desenvolvida com uma função universal e dominante.
Até aí, tendo em vista o caráter epistemológico da Sociologia imbuída pelos estudos de Francis Bacon e René Descartes, vê-se uma proximidade em relação ao caminho percorrido pela ciência até ela começar a encarar os campos antes tomados pela superstição, pelo mágico e pela alquimia com uma das histórias que a série pretende retratar. O “labor da mente” preconizado por Bacon em “Novum Organum” é a sustentação do caráter dominante da ciência, buscando a universalidade e a neutralidade e caracterizando a ciência de intervenção que visa desfigurar os ídolos prejudicialmente arraigados em inúmeras sociedades. No entanto, a ponte principal que a série de TV Game of Thrones faz com a realidade no que diz respeito ao seu núcleo científico é o desaparecimento cada vez maior, entre as temporadas, da figura, do comprometimento, da credibilidade e dos ensinamentos dos ‘meistres’, isto é, da racionalidade científica, a medida em que a implosão do reino acontece numa disputa cega pelo poder que leva diversos governantes a proclamarem seus respectivos direitos ao trono. Nesse momento, assiste-se a uma proliferação de tendências místicas que desenrolam na série um papel central na vida e nas ações tomadas pelos protagonistas, profecias, religiões e magias são timoneiras de conduta que acabam, muitas vezes, por onerar populações e bonificar os grandes governantes em seus anseios pela conquista do trono.
Por sua vez, o contexto brasileiro atual colapsado, principalmente, a partir dos acontecimentos seletivamente orquestrados de 2013, o resultado das eleições de 2014 e o impeachment de 2016, possibilitou a deficiência em se alastrar medidas racionalmente empregadas no campo político dando abertura ao surgimento de uma nova classe que distoa das até então classes dominantes, pois esta busca uma dominação integral do tecido social através de mecanismos de persuasão constantes, principalmente no âmbito sociopolítico. Por isso, assim como na arte televisiva, a partir de momentos de instabilidade e efervescência, a opção por funcionalizar a promoção dos ídolos é mais aceitável. Desconsidera-se a verdade e a racionalidade para que se alcance, de maneira emocional, ponderações políticas. Tem-se, hodiernamente, um Congresso em que lideranças e ideias políticos pautadas em vertentes religiosas conservadoras tomam frente e ganham corpo, impedindo o andamento de medidas progressistas que auxiliariam uma sociedade enlameada por aspirações personalistas, uma sociedade de cães que ladram sem rumo esperando apenas as próximas refeições, ou seja, a satisfação efêmera e egoísta necessária para uma existência sem questionamentos e indagações.



Leonardo Henrique de Oliveira Castigioni 
1º Ano Direito - Noturno

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