quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Anomia como preceito de mudança

No meio social, os indivíduos tem pré-disposição, ainda que inconsciente, a permanecer no conjunto a qual estão inseridos. Quando este tecido social que mantém a sociedade começa a ser passível de mudanças, a ruptura da ordem causa ao Estado patologia crônica, que Durkheim dá o nome de anomia. Assim como o corpo biológico aciona diversas defesas para se proteger de doenças, o social utilizará do mesmo preceito na busca da manutenção da ordem. Ainda que, do ponto de vista lógico e racional, tal ação possa ser considerada deveras funcional e certa, é indubitável que muitos conceitos que não constam como estabelecidos em tal âmbito social podem, da mesma maneira com que os procedentes o foram, ser inseridos nesse meio. O combate “aos ídolos da mente” busca, através de fatos científicos, a inserção de melhorias e da modificação funcional das instituições. Fugindo das abstrações, um conceito concreto tal como o sistema de cotas, que ainda causa muita polemica, é passível de análise segundo os preceitos anteriormente mencionados. A pouca aceitação que causou no início consegue ser justificada nas ações de Durkheim e explicada posteriormente pelo mesmo no que cabe a naturalização que passa a ser incumbida com o passar dos anos.
A primeira universidade brasileira que fez experimentos com a política de cotas foi a UERJ, em 2002. Posteriormente a isso, em outras universidades, tal implementação causou muita resistência. Discursos como o do judiciário paranaense, que declaravam que as cotas afrontavam “o princípio constitucional da isonomia e reforça práticas sociais discriminatórias” foi um dos principais argumentos utilizados. A priori, quando tratado do principio isonômico sob ótica positivista, temos sua justificação fundada no mesmo, vez que tal conceito olha para o ato em si e o julga verdade. No entanto, quando feita a análise da causa interna, que deixa a aparência final do fato de lado e busca a problemática em sua essência, é indiscutível que o princípio isonômico nunca existiu, a começar pela renda – que está diretamente direcionada a oportunidade e investimentos no estudo – distorcida entre os concorrentes a vagas em universidades públicas. De acordo com o texto de Carlos Góes, no Instituto Mercado Popular, “Os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios do IBGE mostram a realidade dessa distorção. Usando os critérios de classe desenhados pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, a classe alta corresponde a 24,8% da população. Mas, nas universidades públicas, a classe alta ocupa 45,5% das vagas. Do outro lado dessa equação, as pessoas que estão hoje na classe baixa são 23,1% da população brasileira, mas apenas 8,4% da população universitária. Os dados estão expostos no gráfico abaixo:”.

Ainda que tais dados sejam de 2013, não há alterações consubstanciais para o ano presente. Isso mostra em evidencia que um ponto que muito foi passado em diversas gerações brasileiras, começando com o ingresso de brancos ligados ao governo nas primeiras universidades, enquanto os negros ainda praticavam trabalho escravo, perpetuou-se na história. Como Durkheim mesmo afirma “(...) Instituições e/ou práticas sociais não surgem do nada, mas de necessidades, de causas eficientes, que se vinculam ao ordenamento geral do organismo social”, que aplicado a situação atual, na qual a emergência de renovação no ensino do país, começa a se efetuar políticas tais como as cotas raciais e sociais.”
Outro argumento acatado pela maioria concerne ao fato de indivíduos que adquirissem tais “privilégios” poderiam vir a ser “menos capazes” de conseguir permanecer na faculdade pública devido à sua defasagem. Outra pesquisa que abona isso é a feita por Teresa Olinda Caminha, em 2006, em sua tese de doutorado sobre o assunto, publicado na Revista Fórum: “Neste estudo, Teresa e Gurgel ajudam a derrubar um dos mitos do discurso anti-cotas. Dos 32 cursos oferecidos pela UERJ, seis são analisados no artigo, todos da turma ingressante no ano de 2006, e apontam para uma equivalência de notas no desempenho entre cotistas e não-cotistas, que contrapõe os valores alcançados no vestibular. No curso de Administração, os cotistas tiveram uma média de 30,48 pontos no vestibular, contra 56,02 dos não cotistas, quase o dobro de diferença. Porém, o desempenho durante o curso mostra um crescimento no rendimento dos cotistas, que chegam à média de 8,077 contra 8,044 dos não cotistas."
        
         “A superação demonstrada pelos alunos cotistas é considerada “espetacular” por Teresa. “Eles rompem barreiras como preconceito e o histórico de ensino precário, mostrando que esse mito do ‘nível’ é apenas isso, um mito, sem qualquer base cientifica que se justifique.” Outro preceito desmentido no estudo é o da evasão (ver tabela abaixo), o que configuraria um “fracasso escolar”, nas palavras de Teresa e Gurgel. Nos seis cursos avaliados, a evasão de não cotistas é sempre maior.


A reportagem, publicada em 2013, ainda continua com uma informação significativa: “Hoje, dez anos depois da experiência da Uerj, 32 das 38 universidades estaduais já adotaram modelos de ações afirmativas. No princípio, leis estaduais obrigavam as instituições a oferecem cotas, caminho seguido por 16 delas. Porém, com o passar do tempo, a outra metade das adesões foi espontânea, se dando por meio de resoluções dos conselhos universitários”. Em tal parágrafo, podemos observar consubstancialmente o momento em que a ameaça de uma anomia, gerada pelas costas, vai de uma reação negativa pela sociedade que enxerga no horizonte sua desagregação, e passa a ser a reprodução de um modelo coletivo, primado para a melhoria e avanço do meio.
                Dessa forma, a análise gerada propõe refletir: até que ponto as mudanças geradas conforme o avanço da tecnologia e do pensamento proporcionado pode vir a ser causa da degradação da sociedade causada pela anomia, ou de sua salvação num momento caótico gerado pela manutenção das tradições?


Michelle Fialkoski Mendes dos Santos – 1° ano Direito Diurno

Referencias bibliográficas: https://www.revistaforum.com.br/digital/138/sistema-de-cotas-completa-dez-anos-nas-universidades-brasileiras/
http://mercadopopular.org/wp-content/uploads/2015/07/uni.png

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