domingo, 6 de agosto de 2017

A ciência da realidade

René Descartes e Francis Bacon são responsáveis por grande parte dos princípios basilares da chamada Ciência Moderna. O primeiro lança-se na busca da verdade efetiva, distanciando-se das “especulações filosóficas”, que, inseridas na tradição clássica do pensamento, geravam, segundo ele, não mais do que pilares supersticiosos e mágicos, isto é, alicerces frágeis para a construção de quaisquer formas de saber. Elucida ainda o seu método de verificação para a descoberta e retidão do conhecimento verdadeiro, a saber, basicamente: recepção cética das informações, cortes epistemológicos dos subtemas, ordenamento crescente de complexidade dos objetos e uma enumeração adjunta de metódica revisão. Já Bacon, além de convergir na questão de uma ciência não apenas como mero exercício desvirtuado de uma potencial finalidade, faz-se notório pela divisão e classificação da ciência, relevando-se, sobretudo, na identificação e análise dos ídolos: falsas percepções do mundo que, na forma das mais variadas pré-noções, configuram-se em obstáculos ao conhecimento incontroverso.
Ainda que da distância temporal dos instituidores da Ciência Moderna, faz-se facilmente o diálogo de seus pressupostos com as mazelas do mundo contemporâneo ou pós-moderno. Ambos os pensadores centram seus ditames na busca de uma ciência que objetive benefícios para sociedade, na figura do atendimento do bem comum. Nota-se aqui uma bússola orientadora que pode – e deve − ser exteriorizada do campo das experimentações laboratoriais para o das políticas públicas, em geral; devendo ser, para estas, um paradigma ou pré-requisito de análise, já que o “fazer ciência” dos pensadores e o dever ser ou fim das políticas são ou deveriam ser exatamente os mesmos: atender o bem comum e qualificar a condição humana, longe das arritmias das eventuais paixões.

Dessa forma, ao se analisar temáticas, como a união homoafetiva ou legalização das drogas, ter-se-ia que, especialmente, privar-se dos ídolos, a exemplificar, dogmas religiosos ou tradições culturais e morais, que acabariam certamente por subjugar ou diminuir os valores de liberdade e igualdade pretendidos pelas referidas transformações, colocando-os a mercê de suas tradições – muitas vezes dotadas de graus de intolerância. A vaga dessas falsas percepções − leia-se aqui um vasto campo de senso comum e banalização de reflexões − seria preenchida por experimentações. Além disso, ter-se-ia a submissão das hipóteses desenvolvidas ao princípio cartesiano da dúvida, a fim de realmente se analisar a patologia em seu cerne, para – racionalmente, isto é, orientado pela razão − chegar-se a um consenso que atenda o bem comum independente de credos, “achismos”, respostas fáceis ou, como Bacon atribuía aos gregos, aquilo que é próprio das crianças: estão sempre prontos para tagarelar. 

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