quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O Direito entre a fortuna e a virtù

        Ternos. Gravatas. Togas. Vossa senhoria. Meritíssimo. Excelentíssimo. Há uma série de figuras associadas ao direito e nisso está o seu grande poder simbólico, que rege as condutas sociais e as perspectivas normativas. À margem de toda essa estrutura hierárquica estão as forças externas, a própria sociedade regida por seus conflitos e que traz a tona discussões das mais variadas, muitas vezes cercadas por valores advindos da igreja, da família e da educação. A discussão do aborto ainda é um tema muito polêmico que envolve tais valores. Apesar de ainda ser crime e ainda recentemente estar sendo divulgado e discutido em redes sociais, e na mídia, o aborto entrou em cena no campo jurídico em 2012, sendo abordada pelo STF a questão em relação aos anencéfalos. O aborto de anencéfalos foi então permitido após esse ano, por meio da judicialização.
        Bourdieu vai comentar sobre tal poder simbólico do direito e também a necessidade de romper com as noções simplistas sobre o tema, superando a questão do formalismo, que deixa de lado a esfera social e do instrumentalismo, que prevê o direito como intrumento de dominação. Ao criticar Kelsen, Marx e Luhmann, ele nega o direito como opressão, ressaltando a questão da moral e do direito sob influência das relações externas, denominada por ele autonomia relativa, a relação entre a sociedade e os magistrados. Então, para se ter um direito garantido, como na permissão do aborto de anencéfalos, Bourdieu trata sobre os operadores do direito, magistrados que lideram na prática essa atividade.
         A decisão tomada pelo STF, que envolveu a questão dos direitos humanos, direitos da mulher, direito a liberdade, a saúde,entre outros, foi parte desse processo do magistrado com a sociedade, incorporando as demandas externas e as legitimando na forma do direito, dentro do espaços dos possíveis, espaço no qual as interpretações ocorrem dentro do campo jurídico. Essa decisão prova também a importância da quebra ao formalismo e o instrumentalismo nesse espaço. Ademais, tal decisão traz a retórica da autonomia e universalidade citadas pelo autor como expressões do campo jurídico que irão então eleger a legitimidade para fora dele.
         Em suma, vale ressaltar conceitos como a autonomia relativa e o espaço dos possíveis para a dinâmica do direito, considerando dentro disso as demandas da sociedade e o poder simbólico. Nesse sentido, se encaixam, analogamente, os conceitos trabalhados por Maquiavel na obra O Príncipe: a fortuna e a virtù. Sendo a fortuna, todos os acontecimentos externos que ocorrem a um indivíduo, a virtù será sua capacidade de filtra-las para o seu próprio beneficio.Assim, sendo as demandas sociais a fortuna do direito, cabe aos seus operadores utilizar-se da virtù para atendê-las e garantir o bem comum.

Gabriela Guesso Pereira
1º ano Direito diurno

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