terça-feira, 25 de outubro de 2016

A sociedade na letra da lei

Nossa sociedade está muito longe de ser perfeitamente possível de ser regida por um conjunto de normas de fato a não apresentar nenhuma espécie de problemas caso tais normas sejam cumpridas. Nossa sociedade é acima de tudo conflituosa, estando esses conflitos situados principalmente em um sistema muito maior, que ultrapassa os limites práticos e exigem toda uma conjuntura para poderem se legitimar, estando nessa conjuntura o próprio Direito.

Assim, embora o nosso Direito – especialmente quando observada a nossa Constituição Federal – assegure princípios naturais básicos, ele ao mesmo tempo é utilizado de forma a restringir o acesso à justiça e permitir ainda mais a dominação entre as classes. Esse uso do Direito faz com que ele se distancie cada vez mais do cotidiano da sociedade brasileira, marcado por uma gritante desigualdade social e pela intolerância.

Este conflito, entretanto, não se restringe ao conjunto normativo do nosso país e tampouco é recente: o sociólogo Max Weber, em sua obra “Economia e Sociedade – Fundamentos da Sociologia Compreensiva” do início do século passado, já apontava a existência de um direito meramente formal, baseado unicamente em suas regras e normas, e um direito material, que considera questões práticas que superam os próprios aspectos normativos. Mas até que ponto essa coexistência não é capaz de exacerbar ainda mais os nossos conflitos sociais já existentes?

Uma questão em que tal conflito aparece de maneira clara é a que trata do gênero. Atualmente é mais do que sabida a existência dos transgêneros, aqueles que não reconhecem seu gênero como sintonizado ao sexo que possuem, mas a luta para a realização da operação de transgenitalização pelo sistema público de saúde permanece latente. Se por um lado o nosso Direito defende o acesso universal à saúde para a preservação da saúde física e psicológica de todos os seus indivíduos, por outro a valorização dos “bons costumes sociais” e do tradicionalismo nas nossas leis encaminha tais processos para um espiral de conservadorismo e – por que não dizer – de intolerância.


Talvez a dificuldade para a solução de tal problemática resida justamente na forma cíclica com que ela se apresenta. O Direito, enquanto instrumento que deve auxiliar o Estado a organizar a sociedade e também fornecer meios para que a própria sociedade se organize enquanto portadora de direitos, deveria constantemente acompanhar as transformações sociais para que pudesse representa-la de forma igualitária e sempre coerente. Entretanto, as transformações sociais e as próprias relações sociais em que elas se baseiam se encontram calcadas em uma constante luta de classes em que prevalece a dominação de uma classe sobre a outra, fato que se torna visível em inúmeros recortes, como o de raça, gênero, sexo etc. Nessa lógica, acompanhando as transformações e relações sociais, o Direito funcionaria como instrumento revolucionário, o que desagradaria a própria classe que historicamente o organiza e contraria o próprio princípio da lei, que é o da manutenção da ordem vigente. Mais uma vez, nos depararíamos com o conflito do formal contra o material. De um lado, normas que muitas vezes custam a sair dos extensos calhamaços de papel em que estão impressas. De outro, uma população que aguarda representatividade e amparo na luta pelos direitos que teoricamente são seus. Acima desse conflito, o próprio poder de mobilização social e de exigência de mudanças. De que lado ficaremos?

Luiz Antonio Martins Cambuhy Júnior
1º Ano - Direito Matutino

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