domingo, 20 de março de 2016

Cotas nas universidades públicas: uma reflexão com perspectiva baconiana



Embora a vigência da Lei de Cotas (Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm) complete cerca de 4 anos e o STF - Supremo Tribunal Federal, em abril de 2012, tenha fixado um novo precedente, considerando constitucionais as cotas nas universidades (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=278000), ainda subsiste polêmica acerca da reserva de vagas nas universidades públicas para egressos da educação básica pública, pretos, pardos, indígenas, entre outros grupos.

Muitos dos argumentos contrários a esta importante política pública de inclusão social alicerçam-se em mitos construídos no senso comum ou, segundo conceito de Francis Bacon, nos ídolos, que foram definidos como falsas percepções sobre o mundo. Em redes sociais, botequins e até mesmo no meio acadêmico, vocifera-se contra o sistema de reserva de vagas, partindo-se de exemplos isolados de pessoas desfavorecidas que obtiveram sucesso sem a necessidade de proteção estatal específica, alegando-se afronta ao princípio da isonomia e possível comprometimento da qualidade da educação superior brasileira com o ingresso de alunos supostamente menos preparados.

Para refutar a argumentação que considera situações específicas de ascensão social de indivíduos desfavorecidos e não beneficiados por políticas públicas, pode-se evocar o seguinte excerto da obra Novum Organum, do pensador inglês supracitado: “o intelecto humano tem o erro peculiar e perpétuo de mais se mover e excitar pelos eventos afirmativos que pelos negativos, quando deveria rigorosa e sistematicamente atentar para ambos”. Ademais, o referido filósofo afirmava que generalizações calcadas nas sensações e na observação de fatos particulares poderiam ser consideradas abstratas e inúteis. Ora, realmente não é razoável menosprezar a necessidade das ações afirmativas, com base em casos de sucesso, como o do ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, que é negro e de origem humilde, pois, no Brasil, prepondera a exclusão social, especialmente contra os pretos e pardos, o que pode ser exemplificado com o fato de a população carcerária brasileira constituir-se por 60,8% de negros (dado de 2012, disponível em http://www.seppir.gov.br/central-de-conteudos/noticias/junho/mapa-do-encarceramento-aponta-maioria-da-populacao-carceraria-e-negra-1).

A alegação de afronta ao princípio da isonomia quando da instituição da política de ações afirmativas para ingresso na educação superior pode ser rechaçada pela lição da Professora Carmen Lúcia Antunes Rocha, citada por Barbosa (2003, disponível em www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/21672-21673-1-PB.pdf): “O conteúdo, de origem bíblica, de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam – sempre lembrado como sendo a essência do princípio da igualdade jurídica – encontrou uma nova interpretação no acolhimento jurisprudencial concernente à ação afirmativa. Segundo essa nova interpretação, a desigualdade que se pretende e se necessita impedir para se realizar a igualdade no Direito não pode ser extraída, ou cogitada, apenas no momento em que se tomam as pessoas postas em dada situação submetida ao Direito, senão que se deve atentar para a igualdade jurídica a partir da consideração de toda a dinâmica histórica da sociedade, para que se focalize e se retrate não apenas um instante da vida social, aprisionada estaticamente e desvinculada da realidade histórica de determinado grupo social”.

No tocante à exploração histórica dos negros no Brasil, os quais foram alijados da educação formal, em especial a superior, situação esta que justifica, sim, a implementação de políticas de reserva de vagas nas universidades públicas, recomenda-se a leitura do artigo Movimento Negro e Educação, redigido pelos professores Luiz Alberto Oliveira Gonçalves e Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (disponível em www.acaoeducativa.org.br/fdh/?p=1719). Esta professora, referência na temática de ações afirmativas, organizou, juntamente com o professor Valter Roberto Silvério, também professor da Universidade Federal de São Carlos, uma coletânea de textos sobre o tema “Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica”, que pode ser acessada no seguinte endereço eletrônico: http://www.publicacoes.inep.gov.br/portal/download/260.

Já a infundada preocupação acerca da redução da qualidade da educação superior brasileira com o ingresso dos alunos beneficiados pelas cotas foi refutada por diversos estudos que comprovaram não haver correlação entre baixo desempenho acadêmico e as diversas modalidades de acesso à universidade. Para corroborar tal afirmação, apresenta-se o link para visualização de depoimento do professor Pedro Ferreira Filho, que já foi Coordenador do Vestibular da Universidade Federal de São Carlos e ratifica que improcede a atribuição de diferença de desempenho entre estudantes cotistas e aqueles ingressantes pela modalidade de ampla concorrência: https://www.youtube.com/watch?v=PdZUBk83xTU. Cumpre compartilhar também o artigo do pesquisador da Universidade de Brasília, Jacques Velloso, o qual concluiu que não há “diferenças sistemáticas de rendimento a favor dos não-cotistas, contrariando previsões de críticos do sistema de cotas, no sentido de que este provocaria uma queda no padrão acadêmico da universidade” (http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/cp/article/view/240/253).

Por fim, salienta-se a relevância das políticas de ações afirmativas para democratizar o acesso à educação superior, mitigando o contexto de exclusão social evidente no Brasil, bem como para fomentar o desenvolvimento brasileiro no cenário internacional, considerando que, segundo Bacon, conhecimento é poder.


Marcos Paulo Freire - Direito/Noturno

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