segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Direito, um Poder Simbólico Inicial. Direito, um Poder Simbólico Social

        A existência de uma ciência que a distingue daquela caracterizada como jurídica, desloca o objeto do direito – do moralismo – para a compreensão normativa como um meio de relações sociais, sem ser concebido como mero reflexo dos poderes dominantes. Concepção internalizada do direito, de que este se reduz à si próprio quando não considera os fatores sociais, tendo um fundamento específico, “Não passa do esforço de todo o corpo de juristas para construir um corpo de doutrinas e regras completamente independentes dos constrangimentos e das pressões sociais, tendo nele mesmo o seu próprio fundamento” (BOURDIE, 1989, p. 209). Logo, a crítica apontada é a de considerar a setorização ideológica como não possível da influência, limitação ou determinação de quaisquer outra força externa como, por exemplo, quando se considera a historicização das normas, em que a atividade interpretativa representa o embate ideológico de um interesse específico, interesse esse que coexiste com a fluência de outros interesses externos. Quando se determina o interesse jurídico, há a percepção de que:
(...) O conteúdo prático da lei que se revela no veredicto é o resultado de uma luta simbólica entre profissionais dotados de competências técnicas e sociais desiguais, portanto, capazes de mobilizar, embora de modo desigual, os meios ou recursos jurídicos disponíveis, pela exploração das “regras possíveis”, e de os utilizar eficazmente, quer dizer, como armas simbólicas, para fazerem triunfar a sua causa; o efeito jurídico da regras, quer dizer, a sua significação real, determina-se na relação de força específica entre os profissionais, podendo-se pensar que essa relação tende a corresponder à relação de força entre os que estão sujeitos à jurisdição respectiva (BOURDIE, 1989, p. 224-225)

            O julgado é uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº54, que aborda a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal ao autorizar a interrupção da gestação de feto anencéfalo – doença caracterizada pela malformação congênita do feto, com ausência de crânio e de encéfalo. A questão da arguição consistia em considerar a interrupção da gestação em crime de aborto – segundo previsto no art. 124 do CP – ou uma alternativa em relação à baixa potencialidade de possibilidade de vida do feto. O argumento do STF foi de que não se estaria praticando o crime de aborto, já que o feto anencéfalo é considerado um natimorto cerebral, não se problematizando a questão do aborto, mas se adequando a problemática na estrutura do ordenamento jurídico.
            Sendo de legitimidade do Congresso Nacional a análise do caso, foi-se estendido a atuação do poder judiciário na apreciação do julgado por ausência de ação determinada pelo legislativo, o qual, em prol da garantia dos direitos fundamentais, se exige a intervenção judicial. Assim como coloca Luís Roberto Barroso:

A vida na democracia é feita pelo processo político majoritário, que se desenrola no Congresso, e pela proteção e promoção dos direitos fundamentais via Constituição e Supremo Tribunal Federal. Quando o processo majoritário está azeitado, fluindo bem, com grande legitimidade, a jurisdição constitucional recua. E quando o processo político majoritário emperra ou enfrenta dificuldade para votar determinadas matérias, o STF tem seu papel ampliado (BARROSO, Entrevista concedida ao Jornal O Estado de São Paulo (08/04/2012, p. A4)

            Há de se comentar na pouca autoridade atribuída pelo votantes do caso para a análise do mesmo, já que se encontravam em maioria homens que, pelo acidente natural da vida, nunca seriam abrangidos pela sua própria capacidade atribuída ao voto, ou seja, nunca estariam possivelmente em risco de gerar um feto anencéfalo,o que os torna absolutamente legais, mas não legítimos. No entanto, a consideração de que existe a liberdade individual da mulher em não se submeter ao trauma, ou de escolher sua proteção individual ou respeito de vontade, é um princípio Constitucional de sua dignidade, como indivíduo e como ente que necessita de aparato jurídico, já que o tema se insere numa problemática social de saúde pública.
            Bourdie, em sua obra “O Poder Simbólico”, ressalta que existe uma ambiguidade presente no debate jurídico, de o reconhecer como uma consequência social mas se apresentar descolado desta, ou seja, como uma “teoria pura” que desconsidera as apreensões da realidade. Reconhecer a autonomia da mulher e sua vontade em relação a interrupção da gestação de feto anencéfalo pelo STF é uma aproximação da descriminalização do aborto como um crime contra a vida do feto, para a percepção de que sua vigência é um crime contra a vida da mulher que, na apreensão da realidade onde não existe a igualdade formal pela qual a norma hipotética atribui mas, sim, uma desigualdade que tem raça, classe e gênero, é reconhecer que o princípio fundamental é de garantia da saúde pública, na realidade onde o aborto já existe, mas onde ele escolhe à quem criminalizar. Quando Bourdie apresenta a existência de ideologias que se coexistem numa fluência de interesses distintos entre si, ele apresenta que determinação são impostas apenas por jogos de poder, sem fundamentos reais da necessidade coletiva e, por isso, seria um erro tanto considerar o Direito como reduzido à norma, assim como inocência acreditar em uma possível neutralidade ou não interferência de fatores externos que, em relação ao caso, podem ser de ordem religiosa, econômica, política ou de manutenção da estrutura, que se exala de forma conservadora e patriarcal.
            O Direito faz o mundo social, o mundo social que é plural e real. A lei é somente um ponto de partida, um parâmetro estatal que não determinada a linha de chegada, apenas demanda uma possibilidade de seu fim. Logo, deve-se definir qual a ordem do Direito que vai se estabelecer, para que se alcance uma ideologia firme frente aos demais poderes e seus respectivos interesses específicos:

O Direito, então, neste enfoque sociológico, contribui para a produção e reprodução de uma dada ordem social, proclamando e definindo aquela ordem que será tida como exemplar.  Assim, ao consagrar determinada realidade,  o Direito desconhece  ou  ignora  as  que possam coexistir. Nesse contexto, a divisão da realidade leva à desconsideração ou à negação das demais visões, decorrendo na força e a violência simbólica do Direito, que, além de construir uma dada realidade social, impõe uma definição ideológica que passa a ser legítima (KILIAN, 2014)

Karla Gabriella dos Santos Santana – 1º ano Direito Diurno

Referências Bibliográficas:

KILIAN, Katheleen Nicola. O Direito pela perspectiva de Pierre Bourdieu: as ideologias e o poder simbólico. Maio de 2014. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-direito-pela-perspectiva-de-pierre-bourdieu-as-ideologias-e-o-poder-simbolico,48224.html> Acesso em 07 de Dezembro de 2015, às 10:48.

BOURDIE, Pierre. O Poder Simbólico, Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 1989.

Caso Julgado. ADPF nº 54, Disponível em: Acesso em 07 de Dezembro de 2015, às 10:21.

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