segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Aborto de anencéfalos: a atuação do campo jurídico e a interferência do campo religioso

No ano de 2012, o STF decidiu que o aborto de fetos anencéfalos, ou seja, aqueles fetos que possuem má formação do tubo neural, poderia ser realizado opcionalmente no país – nesses casos, ainda que o feto sobreviva durante toda a gestação, a expectativa de vida fora do corpo da mãe é de apenas algumas horas, sendo poucos casos até mesmo de sobrevivência por dias. Como já se pode esperar, sempre que importantes decisões referentes a questões que envolvem a vida humana são tomadas no país, os mais diferentes setores sociais se mobilizam. No caso da situação mencionada, a principal mobilização contrária à decisão tomada pelo Direito se fez por parte das instituições religiosas.
            Em sua obra, Bourdieu descreve o que ele chama de campos – esses seriam espaços de autonomia específica, com valores, códigos e linguagens específicos, dispondo de recursos característicos, elementos inerentes a sua constituição, e agindo dentro de um espaço limítrofe. Na questão do aborto de anencéfalos, segundo sua perspectiva, observa-se claramente a atuação de duas forças distintas representadas por dois campos com habitus específicos, como descrevia Bourdieu: o campo jurídico e o campo religioso; e como se sabe, historicamente, esses dois espaços vem se confrontando incansavelmente.
            Como apontado, nesse cenário o campo do Direito, dispondo-se de sua devida autonomia, fez uso de sua força interna e, mesmo não sendo autônomo a pressões sociais, acabou por decidir objetivamente – os principais argumentos utilizados para respaldar a decisão favorável ao aborto facultativo de anencéfalos referem-se ao direito da mulher de determinar o rumo daquela gravidez, a laicidade do Estado, a ausência de expectativa real de vida do feto afetado por essa má-formação, e o sofrimento psicológico (e os efeitos físicos) que uma gravidez nesses padrões pode causar às gestantes. As forças religiosas posicionaram-se, como de costume, com base na afirmação de que o feto anencéfalo é um ser vivo, e facultar seu aborto seria um atentado contra uma vida inocente.

            O campo do Direito é regulado por duas forças – a força racional e a força moral. Por um lado, existe a lógica científica; por outro, a lógica moral, acerca do que é justo e do que é certo. No caso exposto, coube ao STF evidenciar essa perspectiva de atuação; uma atuação universal, por considerar ambos os aspectos e atuar sopesando ambos. Agindo dentro do espaço de possibilidades que lhe cabe, o campo jurídico agiu, conflitado pelo campo religioso, na sociedade que demandava uma decisão – assim, percebe-se que a descrição de Bourdieu acerca da delimitação de tais espaços com habitus específicos que constituem os mais distintos campos é presença constante na realidade social, especialmente no que diz respeito ao campo do Direito que, como apontava esse autor, regula a vida social e política, normatizando a conduta das pessoas segundo seus recursos, valores e códigos. 

Heloísa Ferreira Cintrão
1º Ano -  Direito Diurno

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