segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Tribunal legislador?

“Ser livre como diria o famoso conselheiro... é não ser escravo; é agir segundo a nossa cabeça e o nosso coração, mesmo tendo de partir esse coração e essa cabeça para encontrar um caminho… Enfim, ser livre é ser responsável, é repudiar a condição de autômato e de teleguiado é proclamar o triunfo luminoso do espírito. (Suponho que seja isso.) Ser livre é ir mais além: é buscar outro espaço, outras dimensões, é ampliar a órbita da vida. É não estar acorrentado. É não viver obrigatoriamente entre quatro paredes.” Cecília Meireles

           O fenômeno da judicialização (eixo chave da transformação no Brasil) pode ser entendido como o tratamento e a discussão de determinados assuntos que inicialmente seriam de competência do Poder Legislativo no âmbito do Poder Judiciário, em decorrência da omissão total ou parcial da função legiferante. Tal fenômeno está vinculado à demanda social de concretização das normas constitucionais, notadamente aquelas ligadas aos direitos fundamentais, que por gozarem de força normativa são passíveis de exigência, embora sejam temas que causem polêmica na sociedade (hard cases). A força atuante deste poder não limita sua existência apenas no Brasil, mas funciona em diversos países do mundo, como Estados Unidos, Canadá e Turquia. Sua ação se intensifica após a Segunda Guerra Mundial – momento em que a Constituição passa a ser um referencial mais forte – e no Brasil após o início do processo de redemocratização com o término do longo regime ditatorial e com a promulgação da “Constituição Cidadã”, a de 1988.
          A partir da leitura do texto de Luís Roberto Barroso, “Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática”, pode-se inferir o entendimento acerca do tema referido. Com isso, o autor elenca as possíveis causas para a concretização desse fenômeno no plano brasileiro. A primeira é o processo de redemocratização brasileiro, com ápice na promulgação da Constituição já citada, quando ao Poder Judiciário se somou caráter político. A segunda, a constitucionalização abrangente, efetivada com a Constituição de 1988, com a qual assuntos que antes eram tratados pela ação do poder político e pela legislação vigente, foram trazidos para o texto constitucional (constitucionalizar como sinônimo de transformar política em Direito). A terceira causa abordada por Barroso é o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade.
         É válido ressaltar ainda a definição de ativismo judicial (com origem nas jurisprudências americanas), relacionada à judicialização, e essa pode ser entendida como a atuação do Poder Judiciário no âmbito de competência dos Poderes Executivo e Legislativo, em casos nos quais a omissão dessas duas funções estatais se traduza em verdadeira afronta aos fins traçados pela Constituição. Seu oposto é definido pela auto-contenção judicial (a qual se pauta na ausência de ação com intuito de se evitar reação)
             Assim, como o Congresso (Poder Legislativo) demasiadamente conservador não daria crédito a questões que envolvem minorias, como a comunidade homoafetiva, entre tantas outras, o Judiciário se faz presente para dar solução a elas. Desse modo, lidar com novos atores com os quais antes não lidava, pelas carências e insuficiências sociais, minorias que encontram no Judiciário seu espaço de resoluções, tido como o “muro das lamentações do mundo contemporâneo” por Werneck Vianna..
        A transformação do Judiciário, que deixa de ser um mero guardião da forma, isto é, da Constituição, ocorre também pela crise por fatores como falta de representatividade e legitimidade que tomam o Legislativo e corroboram para a ascensão do Judiciário. Como no caso julgado sobre as relações homoafetivas ligadas à possibilidade de oficializarem união estável mediante casamento. Com isso, pela ADPF 132 e pela ADI 4277 pelas quais o Supremo reconheceu a união homoafetiva demostram a importância da judicialização. Nesse aspecto, negar tal reconhecimento àqueles que só podem ter a felicidade concretizada a partir do relacionamento com pessoa de mesmo sexo, a partir de um relacionamento homoafetivo, é violar preceitos que circundam a liberdade – direito fundamental – além de violar o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF). Cabe ao Estado e ao Direito como um todo apenas assegurar o desenvolvimento da personalidade de todos os indivíduos que compõem a sociedade democrática em que atuam.
        Além disso, parte-se do pressuposto do que não proibido é permitido, bem como pela inexistência, na Constituição de uma classificação exata e específica para a qualificação de uma família. Por esse motivo, o Ministro Ayres Britto considerou necessária a análise do art. 1723 do Código Civil, à luz da Constituição Federal. Assim, não se pode estabelecer uma proibição à união homoafetiva, que pode sim ser considerada um núcleo familiar, porque de fato o é, já que esta não foi negada mediante o texto constitucional. Dessa forma, a decisão do STF em relação ao caso em questão, confirma a impossibilidade de se excluir ou descriminar um indivíduo pela sua orientação sexual e bani-lo de sua indispensável liberdade, pela qual tanto tem-se batalhado ao longo da evolução humana. (vide texto “Liberdade”, Cecília Meireles)

http://www.velhosamigos.com.br/AutoresCelebres/CeciliaMeireles/cecilia1.html#LIBERDADE

Gabriela Cabral Roque
Sociologia Jurídica
Aula 2.2



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