domingo, 29 de novembro de 2015

Crise de representatividade vs. Arcabouço constitucional

O Judiciário passa de um poder que tem um caráter, até a década de 1980, técnico-jurídico para um perfil jurídico-político. Essa mudança, ao menos no ambiente nacional, faz com o que o poder em questão passe a agir como um meio pelo qual as grandes transformações atuam. Luís Roberto Barroso define o fenômeno da judicialização como um processo onde questões de grande repercussão político-social estão previamente decididas pelo corpo do poder judiciário, e não pelas instâncias legislativas e executivas. Como consequência, tem-se a passagem do comando para os juízes e os tribunais, implicando em alterações pontuais na linguagem e na argumentação e, principalmente, no modo de integração e participação social.
Tal protagonismo é desencadeado, segundo o autor, por estímulos da própria sociedade: não são os magistrados que impulsionam esse processo; o que há é uma resposta por parte deles a este corpo social que não se vê representado pelas alçadas tradicionais (partidos políticos, sindicatos, parlamento, por exemplo). Outro ponto a ser analisado é a grande transfiguração que ocorre na passagem para o século XXI, com o surgimento de novos atores sociais e demandas além daquelas geradas pela luta de classes. Manifestam-se reivindicações relacionadas à identidade sexual, religiosa, étnica – um amplo novo rol de elementos que não constitui apenas o antagonismo capital e trabalho. Os movimentos sociais, bem como os grupos com novos interesses, com a insatisfação perante as instâncias usuais, recorrem ao judiciário; esse poder passa a ter como equivalência um espaço de representação. A estrutura e a dinâmica sociais mudaram, porém as respostas a tais novos requerimentos permaneceram estagnados em décadas passadas, gerando, como consequência, essa busca por representantes em outros ambientes.
Especialmente no Ocidente após a Segunda Guerra, constitucionalizam-se questões específicas de demandas sociais; a invocação do judiciário passa a se sustentar na legitimidade. No caso brasileiro, esse anseio por mecanismos de proteção social se revela com a Constituição Federal de 1988. Ao mesmo tempo em que há essa crise de representatividade e legitimidade do poder legislativo, o judiciário amplia sua importância; nos últimos anos, por exemplo, as decisões mais pontuais advêm deste poder (cotas raciais, pesquisas com células-tronco, etc.). É importante destacar, porém, que esse deslocamento na representação não é algo acidental, fortuito: a nova delegação é feita a partir dos principais ensejos da vida social que se encontram constitucionalizados – um apelo para que a forma da lei se torne efetiva.
Mais que o aspecto puramente formal, a Constituinte foi redescoberta pelos movimentos sociais como um espaço de condução de sua luta. Isso demonstra a dinâmica exterior que o fenômeno da judicialização possui, não referindo-se meramente ao judiciário. Têm-se, então, os dois carros-chefes: além da incapacidade de certas instituições em representar as novas demandas, com a expansão de políticas neoliberais, há uma natureza cada dia mais contratual nas relações sociais. Todavia, no contexto atual, constata-se um processo de traço paradoxal: se, por um lado, é exigido esse combate e essa força por parte do poder judiciário, por outro, também é desejável o refortalecimento das instituições, principalmente, no que diz respeito à profissionalização da burocracia estatal.            
Entrando no mérito do ativismo judicial, associa-se a interpretação do texto normativo com a participação mais ampla do judiciário, de forma com que este estenda tanto o sentido quanto o alcance dos valores constitucionais. Como afirma Barroso, há consequências negativas que ambos os fenômenos acarretam: o sistema jurídico brasileiro se sobrecarrega ainda mais; além disso, a neutralidade dos três poderes pode ser colocada em xeque com questionamentos por uma parcela descontente com as decisões – seria um risco à legitimidade democrática ao limitar a atuação dos outros dois poderes.
O caso estudado em conjunto à temática da “Democracia, Judicialização e Ativismo Judicial” é a ADI nº 4.277/DF, que aborda a união homoafetiva, pretendendo seu reconhecimento como instituto jurídico e, principalmente, o tratamento constitucional dessa instituição familiar. Com encampação dos fundamentos presentes na ADPF nº 132/RJ, foi reconhecido, com unanimidade, a isonomia da união homoafetiva perante à heteroafetiva, além de sua instituição como entidade familiar. O julgado se correlaciona ao fenômeno da judicialização exposto anteriormente pelo protagonismo que o poder judiciário exerceu nesta resolução: com a intervenção do Supremo Tribunal Federal neste pleito envolvendo amplo alcance social e político, competiu a esse poder trazer o debate acerca de um tema divergente na sociedade brasileira e, principalmente, avaliar tal questão à luz dos direitos fundamentais.

Isabelle Elias Franco de Almeida
1˚ ano, direito (noturno) – aula 2.2

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