domingo, 29 de novembro de 2015

A dois passos do paraíso?

Acredito firmemente que a felicidade do cidadão está centrada sobretudo na própria felicidade dos membros da entidade familiar. Uma família equilibrada, de autoestima valorizada e assistida pelo Estado é sinônimo de uma sociedade mais fraterna e também mais feliz. Por cultivar essa crença, submeto à apreciação dos nobres pares o presente projeto de lei que, em síntese, institui o Estatuto da Família.
(Trecho da Justificação do Projeto de Lei de 2013 que institui o Estatuto da Família)

Would you know my name if I saw you in Heaven?
Would it be the same if I saw you in Heaven?
I must be strong and carry on
'Cause I know I don't belong here in Heaven
Would you hold my hand if I saw you in Heaven?
Would you help me stand if I saw you in Heaven?
I'll find my way through night and day
'Cause I know I just can't stay
here in Heaven
[…]
(Tears in Heaven – Eric Clapton)


Em 2013, com o controverso projeto de lei que institui o Estatuto da Família, o Legislativo tocou em um assunto que parecia ganhar capítulos finais, não pela convergência política, mas em razão da atuação do Supremo Tribunal Federal: a união homoafetiva. É que, em 05/05/2011, o Plenário da Suprema Corte, por meio da análise da ADI nº 4.277/DF, que encampava aos fundamentos da ADPF nº 132/RJ, procurava dar solução a uma demanda social cada vez mais urgente: o reconhecimento da união homoafetiva como instituto jurídico, e como instituição familiar à luz da Constituição. A questão é deveras relevante, pois se encontra no cerne de um sem número de situações concretas, envolvendo, por exemplo, a negação a casais homoafetivos estáveis, pela administração pública e pelas instâncias judiciais inferiores, de direitos previdenciários e assistenciais reconhecidos àqueles de preferência “heterossexual”, no âmbito do serviço público. Na ocasião, o Plenário reconheceu, de forma unânime, a união homoafetiva como entidade familiar e a sua isonomia em relação aos casais heteroafetivos.

No caso em apreço, ficou patente o fenômeno da Judicialização, caracterizado, conforme ensina o professor Barroso, pelo protagonismo do Poder Judiciário na resolução de questões de larga repercussão política e social, ante a inércia dos demais Poderes. Mas uma atuação legítima, frise-se, tendo em vista a competência técnica da Suprema Corte para se pronunciar sobre direitos fundamentais em face de todo o arcabouço constitucional; além do dever institucional que lhe cabe de velar pelas regras do jogo democrático, balanceando o sentimento social majoritário e as necessidades contramajoritárias. Esse papel lhe é inescapável. Assim, coube ao STF intervir, de forma definitiva, em uma questão que encontrava resistências e dificuldades para avançar no campo político.

Os grupos contrários à isonomia fundamentavam-se, de modo geral, no art. 226, § 3º, da CF/88, e no art. 1.723 do CC, cujos textos, relativos à hipótese de reconhecimento de entidade familiar, expressamente faziam referência à união estável entre homem e mulher. Ou seja, segundo esses grupos, o ordenamento jurídico era categórico e não contemplava a união homoafetiva. Todavia, como bem esclarece o professor Barroso: “mesmo nas situações que, em tese, comportam mais de uma solução plausível, o juiz deverá buscar a que seja mais correta, mais justa, à luz dos elementos do caso concreto”. E, no caso em apreço, os fatos denunciam um discurso que atravessa as páginas da lei e fere de morte o ser humano, em sua dignidade. Disse bem a Procuradora-Geral da República ao lembrar que o dispositivo constitucional em questão surgiu como instrumento de inclusão social, ao conferir tutela constitucional a formações familiares informais antes desprotegidas; sendo um contra-senso, portanto, interpretá-lo como cláusula de exclusão. Melhores ainda foram as palavras do Ministro Ayres Britto, ao abrir nossos olhos para o sentimento universal do amor, como o guia legítimo do intérprete do Direito (como política) pelo território das relações afetivas. Território este cortado pelos estreitos caminhos do Direito não política.

A ideia de que uma futura sociedade fraterna e feliz se constrói sobre a discriminação e sobre a fria letra da lei, não se coaduna com os objetivos fundamentais estabelecidos pela Constituição, tampouco com o espírito democrático. O paraíso de alguns não significa a felicidade de todos, muito menos se ele implicar em completo desamparo daquele que ficou apenas com a dor da morte de um ente querido.


Fernando – 1º Ano Direito Noturno (texto sobre Democracia, Judicialização e Ativismo Judicial - Barroso)

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