quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Muito além de rótulos e de positivações

Na 19ª Parada Gay de São Paulo¹, realizada em junho de 2015, Viviany Beleboni, uma transexual brasileira, representou claramente a problemática enfrentada pelo movimento transexual no Brasil. A encenação de uma “crucificação” gerou críticas e inclusive foi um dos possíveis motivos pelo qual Viviany foi agredida meses depois². O estigma, o preconceito e o tabu em relação ao assunto acabam por precarizar o diálogo de uma demanda social que reivindica reconhecimento e igualdade em direitos, visto que, o direito deve ser geral, contemplando o dinamismo social, como o próprio sociólogo Max Weber aponta.
No caso analisado em sala, uma parte-autora solicitou a cirurgia de mudança de sexo e a alteração do registro civil, modificando o nome e o gênero sexual. A parte requerente afirmou estar inteiramente consciente em relação à cirurgia, visto que, realizou acompanhamento psicológico, motivado pelos seus anseios pessoais, além de todo o sentimento de não pertencimento ao corpo que possui. Ademais, é apresentado o sofrimento físico e psicológico que sofreu, pois não reconhecia-se no corpo masculino, assim necessitava da cirurgia para identificar-se,  biológica e civilmente, uma mulher. Durante o caso julgado, é apresentada toda a justificativa para a solicitação, o que em uma perfeita utopia, a necessidade desse requerimento judicial não ocorreria, visto que, as pessoas poderiam tornar-se o que bem entendem, escolhendo sua identidade e gênero sexual livremente, dispondo de um amplo apoio governamental e social. Nessa esfera, a transexualidade não seria mais tratada como uma patologia, mas sim como um modo de viver, como foi apresentado na documentação. Para tanto, o direito, como instrumento de alteração social, deveria refletir uma realidade pura, convergindo com as demandas abrangentes, sendo este um tipo ideal. No entanto, o direito objetivo, apresentado em Weber, não conflui com o direito positivado, que não é neutro, sempre sendo esboçado em vista dos anseios de um determinado grupo hegemônico. E embora a decisão tenha se pautado em um racionalismo formal, a partir de uma solicitação material, a ação judicial, nesse caso, é suscitada pela lacuna legislativa existente no país. Assim, o direito posto não reflete o ideal de uma generalidade, refletindo também em uma racionalidade material, já que essa generalidade, em tese, é abstrata.
 Direitos do pós Revolução Francesa, como o direito à liberdade, acabam por dar encaminhamento para outros direitos, como o direito à identidade, por exemplo. O transexual nada mais busca do que uma identidade formal na qual se reconhece. Dessa forma, a cirurgia de transgenitarização poderia se relacionar com o direito à liberdade, à identidade e ao princípio da dignidade da pessoa humana. Com isso, pode-se verificar um entrave entre direitos fundamentais e os direitos positivados, associando-os à Weber em sua colocação quanto ao direito natural material e o direito natural formal, respectivamente. A divergência entre eles decorre da necessidade de determinados grupos que, muitas vezes, não corresponde ao que se encontra no código, visto que, o grupo que se encontra no poder age de acordo com seus interesses. Contudo, o direito deve moldar-se com as reivindicações de diversos grupos, como o do LGBT, por exemplo, que são despertados pela ação da racionalidade do grupo dominante. Portanto, o direito, deve sim, pautar-se pelas mudanças e demandas sociais, alcançando, mesmo sendo abstrata, a universalidade, para que “crucificações”, sendo estas os julgamentos sob a perspectiva de uma sociedade hierarquizada e estereotipada, não mais ocorram.
Desse modo, na cidade de Jales, interior do estado de São Paulo, uma decisão foi tomada a partir de um inteiro respeito aos direitos fundamentais humanos que a parte requerente dispõe mesmo estes não estando positivados. Uma demanda humana, que vai muito além de rótulos e positivações, conquistou caminho em uma sociedade que, muitas vezes, parece desumana.




¹ CRAVEIRO, Pedro. Crucificação na Parada Gay é alvo de polêmica com religiosos.  Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1639631-atriz-que-encenou-crucificacao-na-parada-gay-recebe-ameacas.shtml>  ; acesso em 15 de outubro de 2015, às 18:48.
² SÃO PAULO, Folha de. Transexual que encenou crucificação na Parada Gay afirma ter sido agredida. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/08/1666504-transexual-que-encenou-crucificacao-na-parada-gay-afirma-ter-sido-agredida.shtml> ; acesso em 15 de outubro, às 18:52.

Lara Costa Andrade
1º ano – Direito Diurno

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