domingo, 18 de outubro de 2015

Formal.........mal....ma..material

A Declaração Francesa e a Declaração Americana ambas resultantes de movimentos liberais, tratam dos direitos como algo natural, inerente a todo ser humano, bastando, portanto a sua declaração. Com efeito, os direitos ficavam restritos no âmbito formal, o sujeito de direito genericamente concebido. A consecução dos fatos, no entanto, mostram que tais direitos somente correspondiam à essa classe dominante. Assim, partindo de uma perspectiva de análise weberiana da sociedade, poderia-se afirmar  que estas declarações são obras de uma sociedade forjada pela razão cujo direito seria um dos instrumentos da racionalidade burguesa.

Não obstante, a teoria de Weber acerca da racionalidade formal e da racionalidade material aponta a trajetória do direito como sendo da formal para a material. De forma que essa racionalidade pura não estaria presente na realidade de fato, pois a forma nunca vai ser universal. Em verdade, conforme Weber constata a partir da análise da sociedade no final do século XX: a razão que o direito carrega consigo, no capitalismo, é uma razão material. Ela converge não com o geral, mas com o específico de cada grupo, pois as outras classes da sociedade também tentam imprimir parte de sua racionalidade. Configura uma espécie de dialética permanente do direito. Portanto, tal direito burguês generalizável e calculável configura-se apenas como projeto pois aquilo que de fato acontece difere dessa racionalidade formal.

Isso pode ser indentificado no processo de afirmação histórica dos direitos humanos. Conforme percebeu-se a necessidade de se repensar a igualdade, no sentido de aproximá-la cada vez mais da substantiva ou material,  emergiu um sistema de proteção especial aos grupos socialmente vulneráveis. A partir disso, o sujeito de direito seria concebido sob uma perspectiva de especificidades e particularidades, enquanto sujeito dotado de cor, gênero, etnia, opção sexual... Nesse sentido, tanto o âmbito internacional quanto o âmbito nacional se empenhou em alcançar, afirmar e garantir a igualdade substancial. Corroborando a ideia de que o Direito, enquanto tipo ideal, não consegue abrangir todos os casos concretos, a forma nunca vai ser universal. Ainda que, por exemplo, se alcance a igualdade substantiva no ocidente, o mesmo se dará no oriente?

Com efeito, o Brasil, além de ratificar os acordos internacionais a respeito do tema, possui uma Constituição cidadã, a qual prevê, por exemplo, em alguns dispositivos a possibilidade de ações afirmativas voltadas para as mulheres, idosos, pessoas portadoras de deficiências, afrodescendentes. Além disso, introduz elementos como a universalização da educação, da saúde, entre outros. Nesse sentido, é adequado destacar a posição da jurisprudência brasileira, sobretudo, no que diz respeito aos direitos dos transexuais. Esta, desde 2009, de forma majoritária, tem admitido a mudança do prenome no registro após a cirurgia de transgenitalização a despeito da previsão do art.58 da Lei de registros: O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios. Mostrando que, na realidade, o confronto permanente entre direito positivado(forma) e a justiça espontânea é o que acaba determinando o sentido da dinâmica social.

As análises e pareceres de psicólogos e psiquiatras dizem que tais individuos apresentam uma incompatibilidade entre o sexo biológico e a identidade psíquica, situação que enseja dores psicológicas e sofrimentos mentais e por isso apontam a necessidade da realização da cirurgia.  Nesse interim, é de suma importância destacar que não se trata de uma patologia. Já que, em verdade, o que causa muito sofrimento a essas pessoas é o preconceito que sofrem de uma sociedade permeada por certos padrões, a qual acaba forjando a inserção dos mesmos no âmbito patológico para “retirar de cena os incômodos, as diferenças, as não repetições”. O que pressupõe a privação de direitos. Contudo, não é nem um pouco justo que tal grupo “dominante” estabeleça uma forma e diga “que seja assim”. É algo que não condiz com a realidade, uma vez que, na sociedade concreta encontram-se diversas formas de racionalidades (racionalidade do movimento do movimento operário, do movimento LGBT, do movimento negro... ).


 Por isso que, diante disso, é fundamental se afirmar a racionalidade material, no sentido de conferir ao grupo dos transexuais o direito à identidade, a partir da aplicação, sobretudo, de princípios. Os quais, conforme uma compreensão moderna, podem ser aplicados diretamente, ou seja, sem ser intermediado por uma regra. Com efeito, o princípio da dignidade da pessoa humana além de ser dotado de uma eficácia positiva é um conceito jurídico operativo, atuando, sobretudo, em situações não tipificadas pelo direito, em grandes questões de direitos humanos. Com efeito, a CF/88, essencialmente principiológica, confere abertura a isso. Nesse sentido, conforme afirma o julgado, o Estado estaria incorrendo em odiosa omissão inconstitucional se o mesmo não fornecesse os meios necessários para atender às demandas da parte-autora. Isso corrobora a constação de Weber de que o direito particulariza-se frente à dinâmica social.



Yasmin Commar Curia
Direito- Noturno

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