sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Ordem e Progresso

Em 2012 ocorreu a desapropriação de um terreno invadido em São José dos Campos, interior paulista. Caso este que provocou peculiar repercussão midiática. A seguir serão expostas algumas opiniões sobre o assunto, cada uma com um viés ideológico de relevante interesse para análise do caso.
PARTE I
Convém admitir que a sentença do caso Pinheirinho não é, efetivamente, contrária à norma, estando inserida naquilo que a legislação brasileira prevê. Ocorre que há aqueles que buscam em qualquer situação aplicar teorias que dividem a sociedade. Ao clamar por Marx, apontam em tudo a guerra de classes. Afirmam estar diante de mais um caso onde o Direito foi instrumento de dominação burguesa. Rotulam: “ricos contra pobres”. Não percebem que na realidade os detentores de capital e aqueles que vendem sua força de trabalho vivem uma relação de interdependência, de convergência de interesses. O Direito é para todos. Como está estabelecido pela Constituição do país não há distinção entre os homens – o Princípio da Isonomia. Ao Poder Judiciário coube apenas zelar por seu cumprimento, a garantia da propriedade privada. É bem verdade que criou-se um conflito com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, mas é evidente que aquele prevalece quando o cumprimento deste exige a desordem. Não está gravado na bandeira da pátria “Ordem e Progresso”? Como seria feita justiça se não se respeitasse o direito à propriedade? Este é o Princípio em que se baseia a sociedade. Não se pode negar a natureza ilegal do ato julgado: se apossar do que não lhe pertence é crime desde os tempos mais primitivos. Aqueles que não concordam tratem de fazer sua revolução, pois enquanto vigorar o sistema natural não cabe nenhuma reivindicação à norma sobre a qual se formou a civilização.
Cabe aqui um comentário sobre o procedimento do caso. Fica evidente pela reclamação colegiada, que regimento ignorado, e a burocracia estabelecida foi burlada para obter maior agilidade. Embora a decisão tenha sido correta, um conluio foi arquitetado. Não resta dúvida de que os envolvidos devem ser julgados, e confirmando a denúncia, recebam merecida disciplina. Do mesmo modo cabe à Polícia sindicância interna, mas não se ignore que a natureza ilícita do ato não invalida a força empregada, que se fez necessária. Uma vez mais se destaca a necessidade da Ordem preceder o Progresso. No mais não há o que desqualificar. Ora, não cabe ao Judiciário tarefas competentes ao Executivo e Legislativo, de organizar e viabilizar o acesso à moradia e aos serviços públicos. Cabe a ele tão somente a guarda da Constituição. Lembre-se que o problema da moradia é complexo, e exige intensa ação conjunta dos três Poderes, mas sobretudo dos dois que possuem representantes populares, avaliando cuidadosamente o modo mais justo de viabilizá-la, respeitando a vontade do povo. Como poderiam juristas legislar tal demanda sem cooperação dos demais? Cabe a sociedade exigir que seus eleitos cessem de se esquivar de suas responsabilidades. Que cada um assuma seu papel. Incluindo também a própria sociedade. Pois se buscasse com mais afinco o exercício da cidadania, certamente que a maioria dos parasitas que hoje ocupam a máquina pública não teriam espaço para se proliferar.

PARTE II
Chega a ser absurdo qualquer tentativa de defender o massacre do Pinheirinho. O injustificável ocorreu, e infelizmente continua a se repetir, pois sua essência está ligada aos interesses burgueses. Esses que utilizam o Direito para se defender. Uma vez mais a luta de classes, que permeia toda a história da humanidade se manifesta. Como negar que o conluio praticado atendeu os interesses da SELECTA COMÉRCIO E INDÚSTRIA S/A, em vista de sua influência e poder, ainda que isso implicasse no desrespeito a legislação vigente? Não basta que a Lei seja utilizada para impor a todos o domínio burguês, quando lhes convém, deixam de lado a norma para oprimir os indefesos para lucrar com isso. Ficou mais que provado que os marginalizados eram pessoas honestas, e buscavam, com os poucos recursos que possuíam, trabalhar arduamente para prover seu sustento. Em vista do deficit habitacional ignorado cruelmente pelo Estado, os explorados viram naquele espaço abandonado a fonte digna de seu sustento, e mais que isso, o cumprimento da função social da terra, como previsto em Lei. Todavia isso tudo foi ignorado quando o interesse dos donos do capital adentra a disputa. Não observando que os pobres ocupavam a região há mais de 7 anos, e já haviam criado normas de convivência de acordo com a norma do Estado, que já haviam criado vínculos com aquela terra, ou ainda que esse mesmo Estado não tivesse preparado qualquer estrutura para recebê-los. Vale ressaltar que já eram negociadas condições dignas da desapropriação, respeitando os humanos que ali viviam, e que seriam deslocados para uma área destinada para tal pelo Poder Executivo. No entanto, em mais um gesto opressor, a Polícia foi acionada, agindo com tamanha desproporção que levou a óbito dois moradores. Como pode ser isso considerado justo? É ilógico, é o atestado de falha da humanidade, de como os valores estão distorcidos pela ganância que o capital produz. Com pode alguém, seguindo a Filosofia do Direito de Hegel apontar que isso é aceitável. Como negar a tendência do Direito em defender os interesses burgueses? Qual o Progresso que se consegue ao seguir essa Ordem?

PARTE III
Contrapondo-se tese e antítese anteriormente apresentadas, pode-se chegar a algumas conclusões. Primeiramente destaca-se a atuação vergonhosa dos agentes do Direito, sendo necessário aplicação de disciplina e diálogo institucional. Em segundo, vale ressaltar que a Constituição equipara os dois princípios em conflito: a Propriedade Privada e a Dignidade da Pessoa Humana, no qual a moradia está inclusa, além dos pactos internacionais que o Brasil é signatário que buscam a preservação da vida, cabendo então ao juiz avaliar as particularidades do caso. Assim não é possível afirmar que a sentença foi ilegal ao privilegiar o primeiro, ou que seria se optasse pelo segundo. Havia também o agravante de que o proprietário não estava com os impostos quitados, sendo compreensível a exigência da terra como pagamento dos débitos, o que certamente seria a opção mais humanitária. Todavia não se deve negar a essência patrimonialista que permeia os códigos, e que a defesa da propriedade privada se faz necessária para aqueles que ousem se declarar como agente do Direito. Naturalmente essa última opção exigiria um extraordinário esforço por parte do Poder Executivo, para proporcionar uma estrutura adequada a cerca de 6000 pessoas. E não se ignore que essa opção era negociada entre as partes.
Nesse sentido é de extrema relevância mencionar o Direito Alternativo, o uso do Direito como instrumento de transformação social, contra a burguesia. A norma contida na Constituição, e os pactos a que o Brasil é signatário são, se colocadas em práticas, mais que suficientes para garantir uma sociedade mais justa, visto que a norma máxima da nação está muito a frente do que a aplicação na atualidade.

Jansen R. Fernandes
Diurno

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