segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Direito, dominação e ocupação: Quando a via formal é seletiva.


"LEI Nº 4.504, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1964.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
[...]
CAPÍTULO I
(Vide Decreto nº 55.891, de 1965)
Princípios e Definições
        Art. 1° Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola.
        § 1° Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.
        § 2º Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país.
        Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.
        § 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:
        a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;
        b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
        c) assegura a conservação dos recursos naturais;
        d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.
        § 2° É dever do Poder Público:
        a) promover e criar as condições de acesso do trabalhador rural à propriedade da terra economicamente útil, de preferência nas regiões onde habita, ou, quando as circunstâncias regionais, o aconselhem em zonas previamente ajustadas na forma do disposto na regulamentação desta Lei;
        b) zelar para que a propriedade da terra desempenhe sua função social, estimulando planos para a sua racional utilização, promovendo a justa remuneração e o acesso do trabalhador aos benefícios do aumento da produtividade e ao bem-estar coletivo." - Estatuto da Terra

A relação entre o Direito e a propriedade privada é intrínseca: já na Roma Antiga, grande parte dos temas do direito versava de maneira direta ou indireta sobre a propriedade, por exemplo o status familiar de pater familis  que garantia que toda riqueza ou posse que um membro da família, submisso ao pater,  tivesse, seria a ele dada.
Porém com o advento das revoluções liberais é que o direito, principalmente o Direito Público, tomou moldes que conhecemos hoje, garantindo uma isonomia formal perante o Estado e  dando grande valor ao direito à propriedade privada. Era o direito que surgia para atender à classe burguesa que havia ascendido ao poder: Um direito burguês, operado por burgueses, regado por valores da burguesia.
Hoje no direito ainda se encontram presentes tais moldes, mesmo que com algumas alterações. Uma questão válida é que, por ser operado pela classe que possui a propriedade privada dos meios de produção, apesar do direito à moradia e à propriedade serem hierarquicamente semelhantes, é comum que seja aplicado em favor da manutenção da propriedade privada da burguesia.
O caso do Pinheirinho, em 2012, no qual um número significativo de famílias ocupava um terreno da empresa Selecta, em situação de massa falida, desde 2004. A área era grande e organizada, os moradores tentavam conseguir sua posse através da via formal e ela atendia a quesitos suficientes para ser destinada à reforma urbana, principalmente por não cumprir com a Constituição Federal de 1988 e com o estatuto da terra.
Porém, para seu pedido de reintegração de posse, a “justiça” acionada por Naji Nahas, o proprietário, andou com velocidade e empenho raros ao judiciário: Medidas questionáveis da aplicação do direito, uso da coerção (com o relatos de abusos e violência praticados pelos policiais que participavam da reintegração de posse) e o discurso da juíza MARCIA FARIA MATHEY LOUREIRO que dizia  “É certo que o problema social que enfrentam os réus é motivo de preocupação nacional e merece ser visto com atenção, no entanto, não cabe ao Judiciário, ao arrepio da Lei e suprindo a obrigação e/ou omissão dos Poderes Executivos Federal, Estadual e Municipal, negar à Massa o direito de dispor de sua propriedade entregando-a aos sem teto, somente porque afirma o réu, que a área vem sendo estudada por vários entes e integraria o Programa social “minha casa minha vida” ou outro semelhante”.
Tal caso revela a dificuldade dos movimentos sociais que pautam moradia e acesso à terra, como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) enfrentam para conseguir que áreas que não cumprem sua função social sejam de fato destinadas às reformas agindo exclusivamente pela via formal, sendo necessário, na maioria das vezes a ocupação do terreno ou construção.
A maioria dos processos de reforma agrária, por exemplo, se iniciam após a ocupação. As famílias interessadas chegam a passar meses acampadas sob barracas de lona, em situações bastante precárias, que podem durar anos, até que após muita resistência consigam  de fato a posse da terra por meio do cadastro do INCRA (Instituto Nacional de Colonização  e Reforma Agrária).
Podemos observar, então o quanto a aplicação técnica do Direito é seletiva, como no caso do Pinheirinho: Se ela beneficia a classe dominada, ele é, na maioria das vezes, operado com lentidão e serão usados recursos mil em favor da classe dominante, mas quando requisitado pela burguesia, ele é aplicado de maneira rápida e eficiente e com respaldo dos meios de comunicação.
A eficiência do Direito é, infelizmente, seletiva.


Giovanna Narducci Turoni

1º ano de Direito Diurno 

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