sexta-feira, 3 de julho de 2015

A trava que impede o ser humano de ser humano

Rente às cortinas de camurça, espio pela janela estática a dinâmica sinfônica da rua. O sol rege a cena e leva consigo toda alma embora, para que a lua possa guiar os reis da miséria que vagam em meio aos perfumes das “damas-da-noite”. Desalmados. Lunáticos.

O crepúsculo ainda segura alguns raios de sanidade, e em meio à cal e cimento, surge heróica figura que trabalha e sua e sofre e tenta. Errante entre as frias paredes de cimentos que derretem aos poucos em sua cabeça até chegarem a sua condição real de deserto, de secura. Vem assim, surgindo da rua cinco, humilde homem. Transeunte da vida.

Sentimos, soprando a rua, um frio que apressa ou estanca os passos. A leve chuva que precipita abafa minha alma e aos poucos escurece a camisa surrada azul de seu portador. Portador de sonhos velhos, esquecidos; de rugas como marcas de batalha; de uma barba mal e mal feita como forma singular de descrença.

Descrença nos homens e nos olhos, na vida em geral, frágil como as nuvens lá do céu que lhe molham o rosto. Os olhos escuros e tristes pelo adultério da vida, da bola, do doce da coca-cola. A cara amargurada.

Mesmo assim, segue o pedreiro assim vazio, assim sem nada. Seria quase que inevitável sentir qualquer tipo de compaixão por tal criatura. É essa espécie de desconforto que a chuva trás e encharca meus olhos.

O homem então pára, parando assim a minha respiração. Seria ele capaz de me tornar dinâmica, uma vez estático? Dirigiu-se temeroso a minha porta. Apertou a campainha e com a voz faminta implorou-me pão. E eu disse não.

A chuva findou. Sentimos, soprando a rua, um frio que apressa ou estanca os passos. Soprando, para longe, algo de verdejante que surgia em minha alma – para os ventos do oeste.

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