domingo, 21 de junho de 2015

“Mrs. Dalloway disse que ela própria iria comprar as flores.”

Ela era tudo aquilo. De modo que para conhecê-la ou a qualquer outra pessoa, era só procurar a gente que fosse o seu complemento; a gente, e também os lugares. Tinha estranhas afinidades com gente a quem nunca falara, esta mulher na rua, aquele homem atrás de um balcão – até mesmo com árvores, ou galpões. O que tudo redundava numa transcendental teoria que, combinada com o seu horror à morte, a induzira a acreditar, ou a dizer que acreditava (pois era toda ceticismo), que, sendo tão momentâneas as nossas aparições, a nossa parte invisível em comparação com a outra, a que se não mostrava, mas era tão extensa, talvez esse invisível “eu” sobrevivesse, se refizesse de algum modo, ligado a esta ou aquela pessoa, ou mesmo frequentando certos lugares, após a morte. Talvez...
(WOOLF, Virginia. Mrs. Dalloway. Ed. Especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. p. 155.)

   Em sua obra “Mrs. Dalloway”, Virginia Woolf constrói uma narrativa que é composta por dois tempos, o cronológico e o psicológico, chamado “Fluxo de Consciência”, pelo qual desconstrói o modelo Aristotélico de começo, meio e fim, devido às suas inúmeras digressões.
   Digressões as quais acompanham reflexões da própria Woolf, que evidencia o vazio e desamparo vivido pelas pessoas no dia a dia através de Clarissa, uma mulher de meia idade que ocupa sua vida com futilidades, no caso, planejar uma festa. Durante esse planejamento, a mesma recorda-se de sua juventude, de como suas ações poderiam ter sido diferentes e em como a sociedade a moldou para ser quem é, como sua própria inércia diante de uma consciência coletiva a fez ser conduzida no rumo de sua própria vida.
   Em concordância, o filme “As Horas” de Stephen Daldry (“Billy Elliot”) também trata da mesma temática, inclusive apoiando-se no texto de Virginia e o utilizando como conexão entre o drama vivido por suas três mulheres protagonistas (a própria Virginia Woolf; Laura Brown, uma dona de casa dos anos 50 em Los Angeles e Clarissa Vaughn, uma editora de livros que vive em Nova York em 2001), evidentemente ilustrando o caráter universal da angústia da existência humana.
   Durkheim, através de sua comparação dos fatos sociais e suas causalidades, explicita que um dos motivos da angústia individual do ser humano advém da falta de identificação do mesmo com o grupo, com a consciência coletiva. No caso das mulheres citadas, autora e protagonistas, tal condição se prova, uma vez que todas na sua essência –ser mulher- sofrem as pressões de uma sociedade condicionada pelo patriarcado, na qual os papéis são pré-estabelecidos, a divisão do trabalho é imposta aos sexos (ainda que essa divisão vagarosamente tenda a modificar-se com as partes da sociedade, que unidas compõem seu todo).
   Logo, essas mulheres ao refletirem mais profundamente sobre suas vidas, como Clarissa Dalloway (e por que não Virginia Woolf?) em suas digressões, encontram-se em um embate entre a falta de identificação com um todo existente e a própria identificação do que poderia ser esse todo. Afinal, a solidariedade orgânica, também definida por Durkheim, implica na diferenciação dos indivíduos para que estes possam se comportar como um todo, promovendo o bem-estar coletivo, mas a infinidade de células criadas nessa diferenciação também favorece, além de um crescente individualismo, uma falta de identificação. As células não mais identificam-se entre si, são tão diferentes que passam a não mais se reconhecer como partes de um órgão, um sistema e um corpo.
   Dessa forma, a solidariedade orgânica acaba por ser seu próprio câncer, as células passam a competir e não mais a existir de forma complementar, dando espaço para a anomia e para o suicídio, descrito por Virginia Woolf como a saída encontrada de seus problemas e dos problemas causados por ela à seus familiares, mesmo que no caso de sua personagem alter ego Clarissa Dalloway, ela tenha decidido que a vida, munida de muitos artifícios, futilidades e eventuais crises de identidade perante a alienação diante de uma consciência coletiva - representadas pelo simples ato de decidir ela mesma comprar as flores - fosse melhor.


Mariana Ferreira Figueiredo
1º ano de Direito (Diurno)
Introdução à Sociologia - Aula 6

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