domingo, 21 de junho de 2015

La nausée

O sociólogo francês Émile Durkheim destacou-se especialmente pelas suas concepções de coercitividade e fato social.  A partir desses conceitos chaves, Durkheim estabelece os princípios do desregulamento do indivíduo frente à sociedade, que chamou de comportamento anômico. Na anomia, a coerção social se torna ineficaz, causando a ausência de harmonia no comportamento individual, o que diretamente inflige problemas maiores no controle da sociedade.
No caráter individual, a anomia consiste em uma falta ou perda de identidade social e cultural, onde tamanha desarmonia propicia uma vida sem sentidos e objetivos. Em sua obra O Suicídio, o sociólogo utiliza o número de suicídios como forma de medir o comportamento anômico de uma sociedade, mostrando a relação intrínseca entre a perda de identidade e o ato de cessar a própria existência.
Um exemplo famoso de perda de identidade pode ser percebido no personagem principal do romance A Náusea, do filósofo francês Jean-Paul Sartre: Antoine Roquentin. A obra é um diário do personagem, onde relata seus “absurdos existenciais”. Seu comportamento é anômico à medida que descreve sua dificuldade em encontrar significado para as coisas que o rodeiam. Nas palavras de Roquentin:

“A raiz do castanheiro mergulhava na terra, mesmo por baixo do meu banco. Não me lembrava, porém, que era uma raiz. As palavras tinham se evaporado, e, com elas, o significado das coisas, os seus modos de emprego, os pálidos pontos de referência que os homens lhes traçaram à superfície.” (A Náusea, Sartre)

Roquentin tem consciência de sua falta de sentido. Tanto é que busca explicações. Por que ele se sentia assim? Qual o motivo por trás de tamanha náusea?
O personagem chega a conclusão de que não está isolado apenas dos homens, mas de todo o contexto histórico-social em que vive. A ausência de identificação social teria sido provocada pela modernidade, causadora de inúmeras mudanças ideológicas e, consequentemente, existenciais.
Todos os outros homens – eles têm sentido, eles estão integrados, eles compreendem (rasamente) o mundo que vivem e seguem (ingenuamente) suas vidas regradas. Ele não.  

“(...) sou um homem sozinho. As pessoas que vivem em sociedade aprenderam a ver-se, nos espelhos, tal como aparecem aos seus amigos. Eu não tenho amigos.” (A Náusea, Sartre)

Nesse sentido, entende-se a relação do personagem com o mundo primariamente como uma relação de insatisfação com as regras e normas vigentes.  Antoine Roquentin sente-se errado. Antoine Roquentin sente-se inadequado.

“(...) agora eu sabia, as coisas são inteiramente o que parecem – e por trás delas... não existe nada.” (A Náusea, Sartre)

O sentimento de inadequação faz com que Roquentin entenda a existência como injustificável e a própria vida como gratuita. Sem propósito. Antoine Roquentin sente-se nauseado.

Lívia Armentano Sargi
Direito diurno. 

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