segunda-feira, 1 de junho de 2015

Entre o fato social, Bauman e o Grande Irmão

“Quantas vezes não ignoramos o detalhe das obrigações que nos incumbe desempenhar, e precisamos, para sabê-lo, consultar o Código e seus intérpretes autorizados! Assim também o devoto, ao nascer, encontra prontas as crenças e as práticas da vida religiosa; existindo antes dele, é porque existem fora dele. [...] o sistema de moedas que emprego para pagar dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo nas relações comerciais, as práticas seguidas na profissão [...] possuem a propriedade marcante de existir fora das consciências individuais” (DURKHEIM, As Regras do Método Sociológico, p.3).
                É com essa descrição que Durkheim define o que é FATO SOCIAL, ainda na época do Neocolonialismo, em que ciências sociais como a Antropologia eram usadas à favor da dominação dos povos Europeus sobre africanos e asiáticos. Sua definição de fato social e sua ciência positivista, assim, se opunham às ideologias etnocêntricas, valorizando o estudo e a análise em campo das sociedades e das culturas como elas eram, com suas particulares  funcionalidades. A mais famosa frase, por exemplo, que define o fato social “ é toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior” determina  como, de maneira coercitiva, geral e exterior, certos fatos e comportamentos são impostos às sociedades como um todo e, dessa forma, dependendo dos aspectos culturais, certamente as maneiras de agir serão diferentes, o que caracteriza a pluralidade humana.
                O mais interessante é que, mesmo tendo sido definido há séculos, a ideia do fato social permanece atual  e pode ser exemplificada por elementos modernos perceptíveis. O mais simples e fácil de ser observado deles é a educação recebida pelas crianças que, usando a expressão de John Locke “são tábulas rasas”, sem crenças, tendências, nem opiniões e que, aos poucos, são “domesticadas” a comerem, beberem e dormirem em horários apropriados, a respeitarem conveniências e a manterem hábitos higiênicos que não são próprios da sua natureza ou vontade. Esse exemplo torna-se mais claro ao verificar-se a história das “Meninas Lobo”, estudadas pela Antropologia, que cresceram junto com uma alcateia e adquiriram os uivos, a alimentação, os hábitos noturnos e a movimentação quadrúpede típica desses caninos.
                Além disso, outro comprovante da coercitividade dos fatos sociais está presente na obra do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, Modernidade Líquida. No livro, o autor apresenta como na pós-Modernidade as relações sociais se tornaram mais volúveis e frágeis, como consequência da  rapidez e inconstância nas relações de trabalho, das informações velozes do mundo globalizado e das facilidades das redes sociais. Dessa forma, o sociólogo demonstra que, os seres humanos se tornaram “fluidos”: ajustam-se a todas as medidas sem tomarem forma definida e, ao menor sinal de risco, “escorrem” diante dos compromissos e dos pactos sólidos.
                Assim, percebe-se que o fato social proposto por Durkheim é extremamente atual  seja nos comportamentos sociais que adota-se para ser aceito, seja nas relações sociais, seja nas imposições feitas pela indústria cultural, ou mesmo na literatura, quando diante de obras como 1984 de George Orwell, o fato social apresenta-se na forma do Grande Irmão, que padroniza comportamentos, expectativas, produções e até sentimentos, mais uma vez geral, coercitivo e exterior às vontades humanas. E, dessa forma, perpetua-se a sociedade que, sem saber como ou por que, nasce reproduzindo as crenças religiosas, o uso das moedas, o comportamento social e o mesmo – triste – pensamento unificado.


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