segunda-feira, 15 de junho de 2015

Durkheim e a Educação

Pais escalam escola para passar cola a filhos. 
Fonte: AP Photo/Press Trust of India.

Em março deste ano, na cidade de Hajipur, Índia, pais foram flagrados passando cola para filhos durante o exame final nacional do ensino secundário. Pelas fotos que circularam pelo noticiário internacional, nota-se que os parentes não mediram esforços nem riscos na tentativa de garantir a aprovação dos estudantes; o episódio se repetiu em várias cidades do país. Boa nota dá a esperança de o aprovado continuar seus estudos e, quem sabe, melhorar sua condição de vida. A trapaça evidencia como o ensino atual, independentemente do país, se distanciou do modelo de escola vislumbrado pelo sociólogo francês Émile Durkheim, que reuniu seus pensamentos sobre a função do ensino na obra Educação e sociologia, de 1922. 

Para Durkheim, a vida em sociedade prospera desde que seus indivíduos pensem no coletivo. O indivíduo socializado permite a manutenção do conjunto coeso. A socialização ocorre a partir da família; mas é na escola que a criança é capturada pelos mecanismos que transmitem os fundamentos do viver coletivamente e que permitem, assim, a formação da base para que ela viva em sociedade. A inserção de cada uma ao grupo reforça a homogeneidade da sociedade e garante sua perenidade. A família é o primeiro e inevitável estágio da socialização. A escola, para Durkheim, é a “sistematização da socialização” para a posterior inserção do indivíduo disciplinado ao conjunto. Cidadão educado de acordo com valores e instrução necessários para que tenha sua função no coletivo, sob pena de ser e de se sentir excluído do grupo. 

A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais (...). A educação consiste em uma socialização metódica da jovem geração.” (Educação e sociologia, p. 51). 

Na concepção de Durkheim, o homem se realiza na vida coletiva e, para isso, além de pensar no grupo, ele deve respeitar regras impostas pela sociedade para controlar seus instintos. Há, nessa visão, mecanismos de integração, que promovem a solidariedade entre os homens, e mecanismos de regulação, que mantêm a ordem entre eles. A escola tem duplo papel: disciplina e integra a criança à sociedade. A rotina escolar embute na criança a regularidade e o respeito às normas para o imprescindível equilíbrio individual; como recompensa, o indivíduo terá os meios para buscar a realização na coletividade. 

O fato ocorrido na Índia reforça a percepção geral de que não transmitimos mais às novas gerações os princípios que mantêm a integração social. Para os pais e estudantes indianos, a trapaça da cola se justifica pela possibilidade de ascensão social decorrente de mais anos de estudo no currículo. O que não deixa de ser verdade em uma sociedade que valoriza, sobremaneira, o espírito individualista ao invés do coletivo. Nessa arena de competições, o indivíduo se sobrepõe às normas. Apesar das deficiências do ensino, podemos vislumbrar algum progresso quanto à instrução formal dos adolescentes aprovados. Mas não podemos nos enganar quanto à impossibilidade de disciplina e de integração desses jovens à sociedade via sistema educacional. Os valores da sociedade para o convívio funcional e harmônico entre os indivíduos se converteram em busca por benefícios próprios. A realização dos homens se transfere da vida coletiva para a ilusão individualista. 

Referências: 

DURKHEIM, E. Educação e sociologia. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1975. 

Vídeo sobre Émile Durkheim da UNIVESP TV. Estudo da doutora em Filosofia Raquel Weiss: o menor município do Brasil, Águas de São Pedro, como “laboratório” para observação das relações sociais. Participação do sociólogo Gabriel Cohn, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 



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