quinta-feira, 18 de junho de 2015

Carta aberta à Émile Durkheim

  Ah, a liberdade! Ela que me permite sair por aí, em minha cabeça. Mas é ela que me prende firme ao chão, duro e rasteiro, o qual me faz cair quase sempre. Uma queda doída, mas saudável, que fortalece, que joga “fermento” e me faz experiente. Essas quedas que deixam marcas e me fazem entender o que você me disse. Eu agora entendo a vida social, eu acho. São tantas cabeças pensantes, em tão perfeita sincronia que resulta nessa esfera de julgamentos em série: a sociedade. Mas mesmo entendendo, Émile, vou embora. Vou dar adeus a toda essa coerção social que me prende a esse limbo de não lutar contra a maré, que além de tudo, sufoca-me. Adeus a toda essa coletividade que diz ser solidária, mas aniquila todo meu “eu”, meu ego, minha história. Desde que nasci, fui sumindo pouco a pouco, de forma que quando já estava na adolescência, eu era apenas uma pessoa igual à outra andando junto à multidão. Eu era apenas um produto em série da Ford. Eu desisti de ser diferente, pois isso era como um “câncer” na família. Eu era o desequilíbrio que todos evitavam. “Isso é apenas uma fase”. “Não, não é”. Sim, foi uma fase, mas a ideia permeou em minha consciência por mais de 30 anos, e me fez, ainda que pouco, lutar contra essa sequência da vida que se auto-intitula obrigatória: de nascer, trabalhar, procriar e morrer. Aqui estou, sem filhos, pois como Brás Cubas, não transmiti a miséria da humanidade à meus filhos, não os submeti ao poder do julgamento social, porque sei que eles seriam como eu. Então cá estou velho, mas tão lúcido a ponto de saber que sou um fato social e a própria causa eficiente. Sei que sou um sintoma de um estado social que tende a fugir dessa coerção, de chegar a um ponto tão extremo para romper com ela.
  Sim, Durkheim, penso que você deve ter entendido a mensagem. A ideia está implantada em minha consciência e não tente enquadrar minha morte como algum tipo de “suicídio melancólico”, porque eu sei muito bem que eu tenho a plena autonomia para tirar minha própria vida, eu sei que me enquadro nessa classe de pessoas que não se encaixam de forma alguma. Seria cômico se não fosse tão trágico. Entretanto eu tenho plena consciência desse funcionalismo. Minha aquiescência pessoal é saber que eu tentei. Tentei de todas as formas possíveis, mas nada que realizei na vida foi concretizado verdadeiramente. As minhas inquietudes sempre se voltavam contra mim, mas eu as calava prezando a ordem que a sociedade me reivindicava. Ela reivindicava demais...e eu fui cedendo, até o ponto de me esgotar por completo, de chegar a minha própria anomia. Cheguei ao ponto de me tornar somente uma reprodução de tudo aquilo que me impuseram para ser. Até o momento em que recuperei a sanidade e assim, utilizarei dela para libertar-me.
  Então, Émile, adeus. Você foi uma amigável companhia em meus dias sombrios e solitários que mais pareciam noites sem fim. Eu agora serei apenas uma estatística em seu livro. Preso ao chão, mas de alguma forma, livre de tudo isso.


                                            O resquício de um ser social

Lara Costa Andrade – 1º ano de Direito Diurno

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