domingo, 31 de maio de 2015

Um homem chamado Alfredo

          Alfredo era aquele tipo sossegado, trinta e tantos anos, não habituado a pensar no que fazia. Dono de vida humilde, sem regalia ou coisa do tipo, sério e robusto, o papo que corria sobre ele é que era gente de fazer e acontecer - caractere esse levado a maiores instâncias nas frequentes situações de embriaguez que o envolviam. Chutado de casa pela mulher ("eu não vou trabalhar pra sustentar desempregado vagabundo!") e sem poder recorrer à falecida mãe ("Deus a tenha!"), tomou o rapaz o fiat para si e meteu-se num quarto de pensão, pretendendo se manter com o bico de eletricista. Era só ele mesmo, tinha erro não.
          Porém (e sempre tem um porém!), pau que nasce torto, sabem como é. Passava longe da cabeça do Alfredo qualquer ideia de pegar sério no batente. Trabalhava dois dias na semana e olhe lá, se mantendo o maior tempo possível com o ordenado magro que esses escassos dias de lavor lhe proporcionavam. Dia vai, dia vem e a fome bateu com força. O Alfredo, fraco da cabeça, foi atrás de negócio torto; era torto mas era fácil, então valia a pena.
  Foi acolhido no ramo de roubo de caminhão de carga pelo famigerado bando do Horta - mão armada, boa grana, resumindo: coisa fina. Seria ele e mais quatro. Era só aguentar as pontas em beirada de estrada, longe das vistas policiais, abordar os trambolhos e, talvez quem sabe, apagar o motorista que ousasse ser muito valente.
Corria tudo melhor que o esperado, tanto que pro Alfredo sobrava inclusive uns mil-réis pra gastar com o mulherio, naquelas noites em que a voluptuosa solidão insistia em bater nas portas de sua consciência. Dessa forma, passou ele a frequentar o estabelecimento indicado pelo Horta e pelos outros três capangas do bando de assalto a caminhão, com a advertência de que não era nem pra criar ideia de querer se engraçar com a Maria das Dores, uma das residentes da casa ("essa é do Horta, e quando o assunto é mulher o bicho é ruim da cabeça!").
Não preciso nem detalhar o que aconteceu. Alfredo, fraco de miolo, bateu as vistas na das Dores e já pensou até em casamento. A das Dores, por sua vez, carente e arrojada, mirou o Alfredo e não tardou em abrir um sorriso de pura significação. O Horta se tocou da malandragem que acontecia ali debaixo do seu nariz e ficou cabreiro. Esperou a hora de dar o bote. E ela veio dali um mês, quando o Horta deu de aparecer em casa de das Dores em hora não usual, dando, assim, de cara com o ninho de amor de Maria e Alfredo. Não pensou duas vezes: em silêncio, meteu as mãos no bolso - se não foi por aviso prévio, o respeito ensejado devia então de ser construído pelo derrame de glóbulos brancos e vermelhos.  
          Assim, a tese de Durkheim sobre a imperatividade do fato social foi novamente reiterada, concretamente trazida à luz sob a forma de três balaços disparados contra a cabeça de um infeliz e de sua amada.

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