sábado, 30 de maio de 2015

Todo singular é plural


É mais um dia comum na vida do indivíduo ordinário. O sujeito se levanta pontualmente às 6h30, em dejavu enxerga o dia que terá pela frente: o trabalho, o trânsito, as refeições, o sono, turbilhões sentimentais…escolhas. Nos momentos infinitos que levam para a água do chuveiro passar de fria à morna põe-se a imaginar: “Quantas pessoas no mundo estão acordando agora? Quantas se encontram feridas pela rotina? Quantas, apesar das diferenças, acabam por ter semelhanças comigo, afunilando todas as vidas podemos chegar a um ponto comum? Fizemos escolhas comuns? Por que?”….. A água diluiu suas reflexões amanhecidas.

7h15. O sistema não para. Pela garantia da vida digna, o mundo se desdobra no trabalho. O caos do trânsito, nada mais, nada menos, do que um pedaço do caleidoscópio de escolhas feitas pelos indivíduos ordinários. “Todos aqui, escolheram trabalhar, viver em sociedade, desejam conforto, ter uma vida que complete álbuns de fotos. Escolheram? O quanto essas escolhas foram “naturais”, o quanto o coletivo não inferiu seu carimbo por entre as realidades alheias…”

7h45. Ainda trânsito. Havia um outdoor naquela avenida, curiosamente anunciava um combo: livro + curso de metodologia para encontrar seu lado inovador. Publicidade cheia de clichês atrativos: “venha participar”, “descubra possibilidades”. “Viver imerso em autoafirmação”, ele pensava. “É pessimista, mas em meio a homogeneidade de marcas, modas, felicidade enlatada, obrigação de alegria, aquele produto do outdoor, venderia com certeza. Os motivos? Bom, quem não quer descobrir seu lado criativo, sua originalidade, sua ação solitária. Teoria linda, prática duvidosa. Mesmo nesses casos, de desejo de romper com o imposto, não somos objetos influenciados por um outro tipo de contexto? Talvez mais um tipo de modismo: a vida alternativa, a vida “diferenciada”, não-globalizada, a vida que não só completará seu álbum de fotos, mas que renderá elogios por ser “diferente”.”

9H00. “Não me sinto sujeito, me sinto camundongo de laboratório”. Era esse o pensamento enquanto estacionava o carro. “Se afinal, a vida é toda pautada em uma ordem maior, da qual nunca poderemos nos destacar, sendo sempre sujeitos à interferências, cada escolha do caleidoscópio de possibilidades nos definindo como mais uma peça do quebra-cabeça da vivência...”. O bom dia do colega de trabalho afugentou sua linha de raciocínio. Afinal, a roda da rotina não para de girar.

Queria ligar para alguém, ficar 2 horas e meia na linha do telefone discutindo essas ideias, tentando trabalhar em conjunto para tentar abrir uma porta de liberdade. Mas não o faria…utópico. Estaria ali pronto para cumprir seu papel até o fim do expediente. “Quem sabe outra hora, não é?” Quantos indivíduos ordinários não estão deixando tudo para a outra hora? Quantos ambientes estão determinando ações?

11h00. Hora da pausa. O jornal anunciava o aumento de jovens suicidas no Japão. “Anomia”, pensou o homem, “quando são oprimidos a viver conforme o sistema, alienados aos estudos, caso não consigam suprir as expectativas, sentem a coerção, e pelo suicídio dão fim a tudo…inclusive ao equilíbrio da sociedade.” Anomia.

Felizmente, naquele dia, o expediente terminaria mais cedo, o homem ordinário, sentia-se aliviado, o nó na gravata afrouxaria, teria tempo para refletir melhor, ou para distrair a cabeça. Durante o caminho de volta para casa – 16H00 – pensava ainda na matéria sobre o Japão, pensava no filho, que há alguns dias havia anunciado: Pai, eu quero ser artista plástico. Lembrou-se da coerção imposta a ele, pelos familiares, daqueles responsáveis por ditar um “dever ser” nos sonhos virgens de um garoto de 17 anos. Nem ele, o pai, havia concordado. “Artista plástico?” ; qualquer outra profissão, de causa eficiente válida para suprir o capitalismo seria aceita, mas..artista?

18h00. O nó na gravata estava frouxíssimo, porém algo pressionava seu eu interior, o dejavu sendo concretizado a cada volta do ponteiro do relógio. Atravessou a sala, a cozinha, o corredor...do quarto do filho, saia uma música cuja letra dizia: "Toda trilha é andada com a fé de quem crê no ditado de que o dia insiste em nascer, mas o dia insiste em nascer, pra ver deitar o novo".

22h30. Já dorme o homem ordinário.

Ana Flávia Toller - 1º Direito Diurno - Introdução à Sociologia - Aula 5: Durkheim


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