domingo, 19 de abril de 2015

Descartes: quando Apolo deixou Dionísio sóbrio

Descartes, filosofo francês, teve importância ímpar no progresso cientifico. Ao utilizar a razão, inata e idêntica a todos os homens, consegue propor um método de obtenção de conhecimento que separe o sujeito do seu objeto e que, por tanto, seja indiscutivelmente verdadeiro. Porém, ao fazer acreditar ter criado um método capaz desvendar toda a verdade, descrito em seu livro "O Discurso do Método", substitui a religião e torna, até hoje, essa razão o novo elemento de coesão social. Além disso, critica o conhecimento contemplativo desenvolvido pelos gregos e, embebido no empreendedorismo da lógica burguesa, diz que o conhecimento deve ser utilizado para modificar e controlar a natureza. Atividade que nutriu as crenças de um mundo perfeito e sem miséria durante a Bella Époque, e, anos mais tarde, foi responsável morte de mais de 9 milhões de homens na Primeira Guerra Mundial.

A incessante busca pela verdade na História, desde a mitologia à física quântica moderna, mostra a necessidade que o homem tem de segurança, seu ímpeto de prever e a primordialidade da confiança. As crenças, mitos e religião, então, configuraram por muitos anos elementos de coesão social e determinaram a cultura e mentalidade dos mais diversos povos. Após a difusão e aceitação global da razão, como meio confiável de conhecer a Verdade, todo o comportamento humano calcou-se nessa ideologia. As decisões hoje são somente feitas após uma análise cartesiana de suas causas, consequências, benefícios e malefícios. São matemáticamente medidas e pesadas. Tanto no que diz respeito à vida privada, quanto à vida pública. Vale ressaltar que todo o Direito é baseado na jurisprudência. Mas até que ponto a utilização desse método é algo bom?

A sociedade contemporanea sofre dois grandes desconfortos, um que diz respeito à insegurança e outro, à repressão de seus sentimentos e vontades. A razão cartesiana falhou em encontrar verdades inalteráveis, pois descobriu-se que a validação do conhecimento obtido por ela depende das ferramentas de verificação disponíveis em dado período histórico. Dessa forma, a humanidade duvida se existe uma única verdade ou se ela é relativa, gerando muita insegurança e causando o fenômeno da Ignorância Proposital, a interrupção dessa busca histórica por algumas pessoas. Há também a frustração diária a qual as pessoas se submetem, deixando muitas vezes de realizarem suas vontades, mesmo tendo os meios necessários para isso, por não ser a "melhor escolha". Por exemplo, é frequente observarmos discussões acerca da escolha de restaurantes, quando a vontade é vencida pelo "custo benefício", ou seja, o bistrô é substituído pelo rodízio da churrascaria. Ademais, não há mais sentido em ficar triste. Tristeza é ruim, causa câncer. As pessoas não se permitem mais sentir outra coisa que não seja felicidade, mesmo que essa seja falsa. Pois é o único sentimento que "vale a pena". Pese as suas consequências: endorfina, jovialidade, alta imunidade. A felicidade incessante é, porém, inalcançável, sendo objeto de mais frustração.

A Ignorância Proposital pode explicar como o ser humano usa seu bom senso com parcialidade, sendo brilhantemente chamada por George Orwell em seu romance distópico "1984" de "duplipensamento", já que consiste em força-se a ver com valores diferentes, e até contraditórios, situações diferentes. Sendo assim, torna-se possivel anular a compaixão para com indivíduos de seu "povo", de seu mundo globalizado. O indivídualismo proveniente desse pensamento quebra a coesão e levando a maravilhosa capacidade do homem em controlar a natureza passar de instrumento de facilitação da vida humana para meio de dominação. Como ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial, com o uso inaugural de tanques, aviões e submarinos em campos de batalha.

Portanto, apesar de ainda configurar a base da ideologia humana, a razão é em vários aspectos obsoleta e será, no mínimo, acrescida de outros valores. Afinal, Apolo não é senhor do Olimpo e deve viver em harmonia com seu irmão Dionísio.

Seguem, abaixo, três links de músicas que relatam:

1 em sátira a predominância da razão de da ciência : I Am a Scientist, de Dandy Wahorls https://www.youtube.com/watch?v=R7hjm-ODUTU

2 a incapacidade da razão no campo dos sentimentos: The Scientist, de Coldplay https://www.youtube.com/watch?v=RB-RcX5DS5A

3 o "duplipensamento" e o individualismo: Zombie, de Cranberries https://www.youtube.com/watch?v=6Ejga4kJUts

Isabela Bergamaschi Furquim, nº26
Primeiro ano do Direito (diurno)

Nenhum comentário:

Postar um comentário