sábado, 24 de janeiro de 2015

Poderão as cotas ser emancipatórias?

Boaventura de Sousa Santos, trata a questão “Poderá o direito ser emancipatório?” em seu texto. Neste, o autor analisa a crise do direito decorrente da sociedade capitalista em que há a emersão do fascismo social. Ao longo do desenvolvimento, Boaventura aborda a questão da possibilidade de um novo direito por meio da legalidade cosmopolita – “componente jurídica das lutas que recusam aceitar o status quo do poder bem como o mal sistemático por ele gerado” – e da globalização contra hegemônica as quais servirão aos movimentos, projetos e lutas, que recebem o nome de cosmopolistismo subalterno, contra a exclusão social, o fascismo social e globalização neoliberal decorrentes do capitalismo.
Especificamente em uma parte de seu texto, Boaventura trata de quatro tipos de sociabilidade presentes nas zonas de contato – “campos sociais em que diferentes mundos da vida normativos se encontram e defrontam”. São eles: violência (cultura dominante suprime, marginaliza ou até destrói a cultura subalterna ou o mundo da vida normativo), coexistência (permite-se que diferentes culturas evolucionem em separado, mas com o desincentivo ou a proibição de contato ou hibridação das culturas), reconciliação (baseada na justiça restauradora, no sanar de antigas ofensas, deixando que os problemas do passado permaneçam no futuro) e convivialidade (agravos do passado são revolvidos para não serem cometidos no futuro buscando viabilizar sociabilidades alicerçadas em trocas tendencialmente iguais e na autoridade partilhada). Os três primeiros tenderão a ser favorecidos por uma constelação jurídica dominada pelo demoliberalismo e o último pelo cosmopolitismo.
As cotas raciais fazem parte de um modelo de ação afirmativa que visa à correção de injustiças históricas provocadas pela escravidão na sociedade brasileira encaixando-se, portanto, no tipo de sociabilidade da reconciliação. Além disso, por ser favorecida por uma constelação jurídica dominada pelo demoliberalismo não visa por completo a reparação do problema, ainda mais porque, se tratando de uma ação afirmativa, não terá êxito completo se for aplicada sem outras medidas em conjunto. Dessa forma, a cota caminha para ser um meio de emancipação social e, em alguns casos têm êxito; no entanto, ela por si só dificilmente trará a almejada emancipação social principalmente porque não está em questão apenas a vaga na faculdade como também, por exemplo, o sustento do estudante na cidade sede de seu curso, sua moradia, os gastos com material e continuará sendo alvo de preconceito já que a cota é direcionada para os alvos dele, necessitando de outra medida, como educação, direciona aos agentes do preconceito.
Em 2009, o partido Democratas entrou na justiça com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental argumentando que o sistema de cotas raciais da Universidade de Brasília, o qual reserva 20% de todas as vagas disponíveis para estudantes negros, é inconstitucional por ofender preceitos da Constituição Federal como os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. O plenário do Supremo Tribunal Federal negou o pedido considerando o sistema constitucional e a Arguição improcedente.
Durante as justificativas dadas pelo Democratas considerei algumas pertinentes – apesar de incapazes de justificarem o cancelamento das cotas – e outras totalmente sem fundamento. Relacionadas aos pontos que considerei pertinente são os argumentos como o da existência de um “Tribunal racial” para analisar se o candidato seria merecedor da cota racial ou não, medida realmente constrangedora decorrente, por exemplos, de questionamentos como o se o candidato já tinha namorado alguém de cor negra; além disso, outro problema, que também concordo é o de ser impossível estipular a cor de alguém. Por outro lado, achei totalmente sem fundamento argumentos como “no Brasil, felizmente, conseguimos superar a vergonha da escravidão sem termos desenvolvido o ódio entre as raças” e o fato de sempre usarem a cota como medida atrelada unicamente à questão financeira. O primeiro argumento é falho porque o preconceito racial é algo que claramente ainda está presente na sociedade brasileira de moda que está distante de ter superado a vergonha da escravidão. No segundo caso, as cotas não são apenas uma medida visando solucionar o fato atrelado a questão financeira do negro, também estão relacionadas ao fator do preconceito racial principalmente por estarem relacionadas.

Por fim, enfatizo novamente a importância das cotas como meio de reparar problemas passados e de servir como cosmopolitismo subalterno sendo tendenciosa a emancipação social. No entanto, como é uma ação afirmativa de cunho de reconciliação e aplicada por si só ainda não apresenta o completo potencial para o fim dessa exclusão social.

Gabriela Mosna

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