segunda-feira, 5 de maio de 2014

Rolezinho liberalista


Numa ideia geral, os movimentos  “rolezinho” seriam para “zoar, dar uns beijos, rolar umas paqueras” ou “tumultuar, pegar geral, se divertir, sem roubos”, de acordo com a descrição dos organizadores; de forma geral, seria a periferia se divertindo no espaço criado para que as classes média e alta se separassem deles (obviamente, isso não está escrito em nenhuma espécie de estatuto do shopping, mas, na essência, é isso mesmo). Com todos os muros, tinham também as marcas que separavam os artigos de luxo dos jovens da periferia, mas por alguma razão, a burguesia tão liberal se incomoda muito ao ver tal jovem usando a mesma camiseta, mesmo que ilegítima.
Dessa forma, os liberalistas recorreram à justiça (também liberal) para cercear o movimento através de juízes liberais, mostrando toda a limitação do direito a livre manifestação, argumentando que essa prerrogativa deve ser limitada (não era livre?), uma vez que pode transgredir outros direitos (não é exatamente nesse ponto que toda lei e direito se limita? Quando interfere em outro?). E baseando-se nesse ponto que o juiz defensor do liberalismo econômico e direito a propriedade privada cerceia o movimento com uma multa cominatória de 10.000 reais ao dia mais a considerada presença da polícia, defensora dos interesses públicos, para evitar a realização do evento de jovens da periferia.
Entretanto, é muito pouco dizer que essas medidas se restringiram somente ao movimento, já que muitas testemunhas relatam a “escolta” pela Polícia Militar de jovens de aparência periférica (funkeiros) que estavam na dita propriedade privada de finalidades comerciais sem qualquer relação com os eventos programados, seguida da familiar revista e encaminhamento à delegacia dos jovens no espaço exterior do shopping do qual foram retirados.
O que causa, então, tanta revelia nos burgueses tão liberais num local de tamanho liberalismo econômico como o shopping? É o desejo de consumo enraizado nos jovens marginalizados em cena? É o asco causado pela música que prega a ostentação escutada por eles? É a própria hipocrisia desses liberais, que também ostentam marcas, também desejam consumir coisas que não podem comprar, e faz com que esse desejo na outra classe (ou raça?) seja tão incômodo? Ou é o puro e nojento racismo?
De qualquer forma, ao cercar o movimento, criam-se tantos paradoxos e formas de hipocrisia com discursos vazios sobre leis vazias feitas para assegurar somente o espaço daquele que de fato tem dinheiro pra ser assegurado, ignorando-se toda a pachorra que esse tal de liberalismo se propõe a defender, permitindo que juízes favoráveis a um ideal tão egoísta usem as ferramentas jurídicas para reafirmar o apartheid intrínseco aos centros de comércio de luxo.

Amanda Segato e Ciscato - 1º ano Direito noturno

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