quarta-feira, 19 de março de 2014

Por que só eles?


Eu era pequena, não entendia muito bem quando minha mãe dizia que nós éramos menos humanos do que aqueles senhores de terno. Eu tinha mãos, pés e cabeça como eles. Papai não tinha roupas tão bonitas, mamãe não passava batom vermelho como as senhoras elegantes que apareciam no jornal do lado deles; mas éramos todos iguais, não éramos?
Não entendia porque mamãe e papai iam gritar na porta do trabalho daqueles senhores... Acho que só queriam uma casa bonita como a deles, ou aquelas comidas gostosas que eles deveriam comer. Eu não entendia também porque nós não podíamos ter uma casa daquelas, e muito menos porque estavam nos expulsando da nossa terra. Mamãe disse que era porque a terra não era nossa, mas disse isso com um tom de ironia e desmentiu logo em seguida - “Nós é que moramos aqui!”, gritou ela. Perguntei para papai porque é que ele não conversava com os moços que foram tirar a gente de lá, afinal eles já tinham casas e não precisavam da nossa, não é?
Ele disse que conversava, que gritava, e que o faria até que a voz do povo fosse forte o suficiente para ser ouvida. Disse que sua luta era por direitos iguais em um país marcado pela desigualdade. Repetiu várias vezes que quem estava no poder não era como a gente, que eles só se importavam com si próprios, que para eles nós não tínhamos dinheiro o suficiente para termos direitos – mas que tínhamos o direito de tê-los, e precisávamos lutar por isso.
Eu não entendia muito bem, e ainda não entendo. Agora sou mais velha, meu pai e minha mãe gritaram na porta do trabalho dos senhores de terno até o último minuto. Estou longe de morar em um lugar ideal com igualdade, mas meus pais me mostraram que o povo tem sim voz, e que é preciso dilacerarmos as cordas vocais porque devemos exigir o que nos é direito – assim como eles e outros tantos fizeram e fazem, melhorando gradualmente esse cenário. Sinto que moro em um lugar onde é bonito dizer que todos tem direitos iguais, mas é feio agir de tal forma. Sei que todos aqueles políticos de terno e gravata acham que tem mais direito que eu e meus pais, assim como toda a elite se vê diante das classes desprivilegiadas. O que eles não entendem é que é exatamente por isso é que tem tanta gente vivendo sem direito: porque eles não propiciam isso ao povo. Enquanto eles acham que graças a eles encontra-se direito no país, a verdade é que o povo é que faz direito na rua.

Júlia Costa Lourenço - Direito Diurno, Turma XXXI

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