segunda-feira, 15 de outubro de 2012



O SURGIMENTO DOS ENGENHEIROS JURÍDICOS


A transição da geometria da racionalidade weberiana, passando de racionalidade material a formal, no âmbito do Direito, em parâmetros universais, está terminada; isso ao considerar Estados onde o sistema capitalista e o império da normatividade imperam. Esse processo, iniciado na Idade Média, não redesenhou tão somente o Direito como ciência, mas também sua elaboração, sua operação, sua aplicação. O profissional do Direito, assim, seja em esfera pública ou privada, atendendo a interesses corporativos ou humanitários, não é mais o mesmo. Ele deixa de ser um pensador do Direito, no caso daqueles na vanguarda das tendências jurídicas, passa a ser um criador do Direito; os meros operadores do Direito evaporam-se: surgem os engenheiros jurídicos.

A engenharia jurídica, nova forma da expressão real do Direito na pós-modernidade, aparece como ponto final de um longo processo econômico, cultural e social intensificado com os avanços tecnológicos mais recentes e com todas as transformações impostas, coercivamente, pela globalização. A começar pela atividade jurídica como profissão liberal, notam-se novos modelos irreversíveis. O pequeno escritório de advocacia tende a sumir devido à tendência à formação de grandes conglomerados jurídicos. Em reportagem do Estadão[1]·, evidencia-se a tentativa por parte da OAB estadual em limitar a entrada de grandes escritórios jurídicos internacionais no mercado local. Se o mercado jurídico corporativo passa por uma verdadeira “guerra comercial”, as outras áreas mais tradicionais do Direito enfrentam o problema da proletarização do ensino jurídico no Brasil. Segundo dados do MEC, há 1200 cursos de Direito no Brasil, mais que todos os outros cursos de Direito do mundo juntos. Nesse cenário, profissionais do Direito mal formados academicamente não tem condições de competir em um mercado extremamente saturado onde o excelente se destaca e o medíocre é massacrado pelas forças do mercado. 

Não obstante, pode-se analisar a grande demanda por profissionais do Direito no Judiciário, no entanto, segundo a FENASJ[2] não se consegue preencher todas as vagas abertas para a magistratura, devido, principalmente, à má formação dos candidatos. Assim, a distância entre o engenheiro jurídico de formação sólida e perspectiva ampla, e, o proletário bacharel em Direito, amplifica-se em moldes estamentais, colocando em questão a própria existência da atividade jurídica como fundamento de uma classe média urbana, como alicerce das profissões liberais.

Se o Direito como profissão liberal corre risco, a concepção teórica do Direito em si passa por mudanças rápidas. O surgimento de novas demandas legais por parte da sociedade seja no âmbito do Direito Ambiental, Marítimo, Eletrônico, Internacional ou de Propriedade Intelectual, confere um dinamismo à atividade jurídica similar ao daquele das novas tecnologias, das indústrias de TI e alta tecnologia. Objeto de transformações constantes, o Direito do século XXI, não consegue mais esperar a lentidão da máquina legislativa para responder aos anseios legais da sociedade. O engenheiro jurídico, assim, surge como ser criativo, empreendedor e inovador, embasado por inspirações científicas no sentido de propor novas soluções legais aonde existam lacunas não abordadas por iniciativas legislativas. O Direito, portanto, deixa de ser fim e passa a ser meio, passa a ser ferramenta de inovação para o engenheiro jurídico. No entanto, a questão pertinente ao surgimento do novo profissional do Direito não se resume na constatação da profunda racionalização weberiana do mundo jurídico, mas relaciona-se com a formação necessária ao novo jurista, o novo advogado, o novo empreendedor legal; como transformar o ensino jurídico trazendo-o à atualidade?

Primeiramente, as enfadantes atividades de memorização deveriam ser repensadas. O avanço da TI, dos tablets e inúmeros dispositivos tecnológicos móveis, elimina a necessidade, ainda que parcialmente, do conhecimento mecânico e enciclopédico do processador da informação jurídica. Contudo, abre-se a demanda por indivíduos que saibam racionalizar, criticar e organizar quantidades temerárias de informação em curto espaço de tempo. Assim, a leitura e a memorização de códigos em sala de aula, prática remanescente de doutrinas educacionais do Império, deveriam ser esquecidas em favor do estímulo ao pensamento crítico acoplado a múltiplas fontes de conhecimento, em forma conjunta e simultânea. 

Em segundo lugar, a prática do case study method, consagrada no ensino de Common Law, surge como necessidade real ao ensino jurídico brasileiro. O estudo, desde semestre iniciais, de jurisprudência para estimular o raciocínio jurídico e a extração de princípios legais a partir de casos concretos, poderia estimularia o estudo ativo por partes de discentes, favorecendo a curiosidade e o casamento entre prática e teoria em contexto universitário brasileiro. Por muitas vezes, estudantes sentem-se entediados com longas exposições orais durante as aulas nas quais a participação dos alunos é mínima. O estudo passivo, sem participação efetiva dos alunos leva à distração, à evasão escolar e ao desinteresse generalizado, especialmente tratando-se da geração Y, grupo etário no qual a o poder de concentração é reduzido e efêmero[3].

Por outro lado, as alterações passam, também, por iniciativas de remodelamento curricular. O estudo do Direito comparado passa a ser condição essencial à formação do novo engenheiro jurídico, profissional capaz de enxergar o direito além das fronteiras estaduais e nacionais, para vislumbrar interpretações e alternativas calcadas, talvez, em experiências alheias ao seu contexto de atuação. Parâmetro curricular de renome nas Law Schools americanas, o estudo do Direito Comparado ainda é insipiente no Brasil. Contudo, a questão curricular exige também mais opções, mais eletividade, e não somente mais diversidade. A integração da História, Antropologia, Sociologia, Literatura, Política, Filosofia com o Direito sedimentam bases importantes para o engenheiro jurídico de perspectiva ampla e universal. É através de uma formação humanista e clássica que o ensino jurídico deve ter condições de formar grandes intelectuais do Direito como Rui Barbosa e Ulisses Guimarães ao invés de memorizadores de manuais.

E assim chega-se a certo consenso: a racionalização weberiana do mundo do Direito, partindo de premissas materiais e chegando a fins formais, transformou o operador do Direito em transformador do mesmo. O técnico passa a ser engenheiro; o pensador é, agora, o criador; o burocrata tornou-se empreendedor, e, o conservadorismo e a mecanicidade mórbidos, tão gratuitamente associados ao mundo jurídico, dão lugar à inovação legal e à criatividade, dão lugar à engenharia jurídica; e somente um novo ensino tem condições de formar profissionais aptos a atender as novas exigências do mundo capitalista, do mundo dos contratos, da propriedade e dos avanços tecnológicos incessantes.

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