segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Olho por olho: a justiça cega



“Themis” para os gregos ou “Iustitia” para os romanos é a divindade mitológica representante da justiça. Vê-se uma mulher portando uma balança em uma das mãos e uma espada na outra, símbolos da imparcialidade e do poder de aplicabilidade da norma, respectivamente. Segundo o autor grego Hesíodo, Themis, filha de Urano e Gaia, pertence a uma fase, na história mitológica das divindades, de bastante conturbação e descomedimento, a que o autor chama “hybris”. Com a tomada do poder de Cronos por Zeus, tem-se a transição, segundo o autor, para outra fase de maior ponderabilidade e racionalidade, em que Themis seria, portanto, substituída por sua filha “Dike”, representada de forma bastante semelhante à mãe, exceto por algumas peculiaridades.
            Em “Código de Conduta”, para que alguma justiça fosse aplicada aos assassinos de toda a família de Clyde Shelton, o promotor Nick Rice vê-se obrigado a fazer um acordo que aplicaria uma pena irrisória ao assassino capital, e condenaria seu comparsa à pena de morte, fazendo-o morrer de braços abertos, qual um cristo inocente imolado pelos pecados dos outros.
            As penas deliberadas pelo tribunal podem não parecer justas aos olhos da maioria dos espectadores, mas o é quando se tem como parâmetro um sistema penal que embora imperfeito, faz-se soberano. Cego, como Themis se tornaria mais tarde, não pode ver qual cabeça sua espada deceparia, guiado apenas pelo equilíbrio e retidão de sua balança. Para Hesíodo, a lei que Themis aplica tem origem divina, dogmática, por isso a fim de conservar a balança reta, sem que seja necessário abrir os olhos para a execução.
            Em oposição à lei de Themis existe a lei humana, “nomos”, que deu origem ao vocábulo “norma”. Curiosamente, Nomos é o nome que Clyde assume em um de seus disfarces quando coloca em execução seu plano de chamar a atenção sobre a dolorosa deficiência desse sistema e, segundo ele, fazê-lo ruir.
            O que Clyde busca, embora por meios escusos, é que a reta balança de Themis seja substituída pela obliquidade da balança de Dike, que reflete uma tentativa de adequação à caótica realidade humana, e busca uma lei não mais inacessível aos mortais, mas que se encaixe da forma correta. Essa atitude parece ser refletida pelo personagem Nick Rice em uma breve cena em que o vemos, compenetrado, fitando uma estatueta da deusa Themis e mexendo os pratos de sua balança.
            Clyde também procura a espada em riste de Dike, que se mostra mais severamente ativa, e não o instrumento omisso de Themis que muita vez pune erroneamente e pouca vez consegue restituir o criminoso. Em suma, Clyde deseja romper as vendas da justiça para que se atente à realidade antes de ser executada. A justiça de Themis se mostra anacrônica e seu valor pouco respeitado, reduzido ao atendimento de outros interesses.
            Embora suas atitudes possuam caráter terrorista e desrespeitoso, Clyde procura mostrar que se a falhas do sistema corrompido não forem corrigidas, voltar-se-ão aos seus executores. É o que faz com a postura desrespeitosa do diretor do presídio, com a soberba da juíza e sobretudo com a conivência que Rice mostra com o sistema, quando realiza acordos a fim de buscar condenações. Clyde traz para Rice uma nova visão dos valores inerentes a justiça, para que outras teias de ódio e sofrimento não sejam novamente alimentadas.


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