domingo, 16 de setembro de 2012

Justiça cartesiana


Émile Durkheim realizou um estudo aprofundado sobre a sociedade e sua organização. Em sua obra “A divisão do trabalho social”, o autor escreve sobre a diferenciação que o Direito sofreu ao longo do desenvolvimento dos grupos sociais.
Nas organizações primitivas o Direito se constituía essencialmente como sendo punitivo: a sociedade era responsável pela manutenção do equilíbrio e da salubridade social, e assim cabia a todos os membros e a própria sociedade a punição daqueles que fugiam à normalidade ou que rompessem alguma regra ou ditame imposto pela cultura local.
Já nas organizações modernas, o Direito passou a se apresentar como restitutivo. A modernidade atribuiu às relações sociais uma maior complexidade, fazendo com que a sociedade desenvolvesse um aparato jurídico capaz de sanar as patologias, respeitando a pluralidade e a complexidade dos grupos sociais modernos.
O filme “Código de Conduta (2009)”, dirigido por Gary Gray, chama a atenção para uma situação que, embora pareça distante da realidade, é mais comum do que imaginamos. A história relata a insatisfação de um homem que se sentiu injustiçado pelo próprio aparelho judiciário estatal quando esperava por uma punição ao assassino de sua mulher e filha. A trama evidencia o caráter cartesiano da justiça nos dias atuais, a qual funciona como uma ciência exata que, contraditoriamente, não inova.
A base do sistema judiciário é a racionalidade, que fortalece o seu caráter cartesiano e o rigor em relação à normatividade positiva. O Direito, embora já tenha se apresentado muito estático, está ganhando operadores adeptos de sua aplicação alternativa: está se mostrando cada vez mais correspondente com as necessidades reais da sociedade, em suas diversas faces.
O problema é que não podemos pensar que só porque os avanços do Direito são muitos, que podemos deixar de nos interessar na defesa alternativa dos interesses dos cidadãos. Ainda há muito o que melhorar, principalmente no que diz respeito à defesa das paixões humanas. É preciso humanizar o Direito, sem perder a racionalidade, que é uma característica particularmente humana. É preciso defender as paixões sem perder a racionalidade, para não retrocedermos à época do direito punitivo.
A complexidade da sociedade exige a existência de um grande conjunto de normas para o seu bom funcionamento (de acordo com o padrão a que estamos acostumados). É preciso reconhecer sim que o Direito está mudando, mas também acolher essa mudança e fortificá-la, para sempre buscarmos o justo para a pessoa humana, afinal a justiça é feita pelos homens, para os homens.

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