sábado, 15 de setembro de 2012

Imperfeição



                Podemos dizer que o filme “Código de Conduta”, dirigido por Gary Gray, apresenta, nas ações de seu protagonista Clyde Shelton (Gerard Butler), uma ideia de anti-herói. Ele, um pai de família que vê sua esposa e filha serem mortas, e o assassino ter como pena “apenas” cinco anos de prisão, resolve lutar contra o falho Sistema Judicial. Para isso, acaba matando, de forma inteligente, a maioria dos envolvidos no seu caso particular e no próprio Sistema. Digo anti-herói, pelo fato de que, em certa medida, nos compadecemos com sua dor, e creio que, se estivéssemos em seu lugar, também pensaríamos que houve uma grande injustiça. E até arrisco a dizer que não o condenamos inteiramente por todo o massacre que promoveu. Ao fim do filme, acabamos por indagar a nós próprios, intimamente, o quão podre pode ser o Sistema Judiciário e começamos, assim, de forma gradual, a considerar diversas questões.
                A primeira indagação que nos vem à cabeça é: o que é a justiça? E, logo no início, temos uma questão abstrata, afinal, nem todos nós temos a mesma ideia sobre justiça. Para exemplificar de forma rápida, podemos colocar em evidência as diferenças culturais que fazem com que uma mulher adúltera não sofra sanções no Brasil – pelo menos não formais – mas seja condenada à morte por apedrejamento no Irã. Isso mostra a relativização do conceito de justiça. E até em uma mesma cultura há divergências nesse ponto: por vezes, alguns acreditam que a sanção deva ser mais ou menos severa para que a justiça seja feita.
                Então, tentando responder esse mesmo impasse de outra forma, nos perguntamos: o que é Direito? E, assim, caímos em uma questão que já é discutida há tempos. Podemos passar horas discutindo entre as ideias do Positivismo Jurídico, que tenta estudar o Direito de forma mais sistematizada, mais matemática, para que encontremos algo mais certo, mais rígido, mais previsível, totalmente centrado em Códigos e chegar até aos pós-positivistas, que já fazem algum uso da Teoria da Argumentação. Podemos passar pela corrente da exegese, que tem como postulado central que “Direito é lei”, e que essa lei é clara e justa. Podemos mostrar a ideia contrária de que “Direito não é lei, é fato social”, baseado em usos e costumes. Até podemos chegar a Hans Kelsen, e afirmarmos que “Direito é norma”. Ou ir além e afirmar, como o Culturalismo Jurídico, que “Direito é um objeto cultural”, abrangendo FATO, VALOR E NORMA.  Mas, e o que tudo isso significa na prática?
                Na prática, significa que mesmo considerando a complexidade de cada caso, o Direito é aplicado por homens. E, portanto, ficaremos frente a frente com as mais diversas possibilidades. Possibilidades que podem envolver jogo de poder, ou possibilidades que muito provavelmente envolvam burocracia. Possibilidades que podem ser justas, na medida da lei; ou injustas com a proteção dela. E é exatamente daí que vem toda a responsabilidade de um jurista. O que é o Sistema Judiciário senão homens imperfeitos julgando homens igualmente imperfeitos, baseados em leis feitas também por homens imperfeitos?!
                Enfim, racionalmente, “organicamente”, o sentimento de que PELO MENOS ALGUMA justiça foi feita é necessário, no mínimo, para que o Sistema Judiciário não perca sua credibilidade, e, com isso, sua função de mediação dos conflitos. Porém, em nossa irracionalidade emocional, não existe essa quantificação – matemática – de justiça. A sentença foi justa ou injusta, e ponto. Pensamento de solidariedade mecânica?! Muito provavelmente, sim. Um pensamento imperfeito. Imperfeito como a própria sociedade. Imperfeito como o próprio homem (que somos).


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