segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Ciclo vicioso da justiça



Na transição do século XVIII para o XIX, surge na sociedade uma grande ânsia pela sistematização do Direito, afinal esse pode ser concebido como ciência? Há possibilidade de desvinculá-lo do instinto humano vingativo? Analisando-se a etimologia da palavra justiça advem do latim justitia, podendo ser compreendido como equidade ou administração da lei. Como um dos pioneiros da formulação dos alicerces para um estudo cientifico, destaca-se o positivista inglês John Austin, com suas obras “The province of Jurisprudence Determined” e “ Lectures on Jurisprudence or the Philosophy of Positive Law”. Entretanto, definitivamente o ápice dessa sistematização veio na obra “Teoria Pura do Direito” de Hans Kelsen, focando as normas jurídicas positivas como o campo de estudo do direito, despreendendo-se totalmente da subjetividade.
O meio jurídico moderno está enfatizando com veemência o caráter técnico, com um viés totalmente matemático, desprezando e desconsiderando aspectos valorativos que podem até mesmo ser relevantes para uma correta análise de seus fatos. Sob o âmbito da consciência coletiva, diariamente nos deparamos com discussões a respeito de diversas injustiças e impunidades (o que em muitos casos infelizmente é a realidade), entretanto os agentes do Direito não devem e não podem restringir-se somente a esse aspecto emocional, pois se assim fosse, viveríamos em um quadro de calamidade pública. Afinal, pautado pela teoria de contrato social de Rousseau, percebemos que teoricamente abdicamos de nossa liberdade natural polo poder coercitivo do Esatado, logo cabe ao mesmo o estabelecimento da normatização dos elementos jurídicos  que pautam o sistema punitivo.
Restringindo-se ao âmbito jurídico brasileiro, necessita-se destacar que vivenciamos o sistema de Civil Law, logo as fontes do Direito adotadas são puramente a lei e os textos constitucionais, reverberando mais ainda essa tendência cartesiana. Por outro lado, os países de origem anglo-saxônica adotam o modelo do Common Law, o qual confere uma maior dinamicidade, por pautar-se por jurisprudências, ou seja, conjunto de interpretações das normas do direito proferidas pelo poder judiciário.
Essa aparente matemática jurídica é retrada de modo sensacionalista no filme “Código de Conduta”, do diretor americano Gary Grey. O protagonista do filme (Clyde Shelton), após presenciar o assassinato de sua esposa e filha, recorre a máquina jurídica, entretanto pela escassez de provas concretas, resulta na amenização da pena de um dos assassinos e a decretação de pena de morte do outro. Uma interessante observação, é que o diretor propicia uma cena dramática na hora da morte do prisioneiro por toxinas, o que soergue uma calorosa discussão a respeito dessa prática, entretanto não cabe aqui essa abordagem. Clyde decide então, após 10 anos de preparação, vingar-se do assassino que fora solto pela aparente incompetência do tribunal de justiça, ansiando que esse fosse infalível, uma mera utopia, apesar da grande perda imaterial, que era sua família.
Sob a ótica durkheniana, percebe-se nitidamente o quanto a solidariedade mecânica encontra-se enraizada na nossa sociedade, tanto que se traduzirmos o título original, chega-se a um “Um cidadão exemplar”. O diretor almeja justamente instigar os telespectadores a uma análise a respeito da justiça, afinal alguma justiça é melhor que nenhuma? É extremamente complexo a quantificação da justiça, pois o estabelecimento de modelos pode resultar em inevitáveis injustiças, colocando em cheque a própria solidariedade orgânica, tão aclamada pela sociedade dita como moderna.
Uma observação pertinente é se essa racionalidade é aparentemente inviável, a passionalidade seria útil? Obiviamente que elementos subjetivos também resultariam em injustiças e sentenças proferidas de modo insensato. Portanto, uma linha tênue deve ser traçada entre ambos elementos, soerguendo-se como uma dúvida para as sociedades futuras e estabelecimento de meios jurídicos mais eficientes, agora quanto ao modo, ainda é um amplo mistério, seria Deus um bom intermediador? Novamente retornamos ao ciclo vicioso, logo uma aparente dúvida eterna.

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