segunda-feira, 28 de maio de 2012

Para explicar o Mundo.

Se a filosofia até Marx, se destinou à finalidade contemplativa do mundo, a partir daí ela ganhará contornos de mudança, se destinará à transformação do mundo. O socialismo científico se propôs a romper com a tradição filosófica da qual derivava. O idealismo hegeliano, ao mesmo tempo que trazia consigo uma percepção de contexto histórico, em que "a História tomava o lugar de Deus, e a escalada dialética já não era a da alma que ascendia a Deus, mas a das formações históricas que se sucediam em direção ao Estado moderno"¹, por outro lado não se desprendia do sentido metafísico em que o homem ontológico realizaria-se por completo. Marx e Engels rompem com esta metafísica se atendo filosoficamente às necessidades materiais do homem.
 O socialismo científico, portanto, se configura como uma nova proposta de leitura do mundo, baseado cientificamente em um novo materialismo, o materialismo histórico-dialético, guia de estudo e método marxista para análise das condições materiais de uma sociedade, tendo em vista sempre o confronto de interesses das classes antagônicas, a luta de classes.
Os conceitos e suas definições muitas vezes são bem abordados e trabalhados com tamanha profundidade e sutileza que a literatura ganha veracidade científica, isto acontece sobretudo neste trecho em que as palavras de Eduardo Galeano traduzem com exatidão e precisão a dimensão materialista de mundo, iniciada (nesta forma concebida no trecho) pela produção do socialismo científico:
A origem do mundo.A guerra civil da Espanha tinha terminado fazia poucos anos, e a cruz e a espada reinavam sobre as ruínas da República. Um dos vencidos, um operário anarquista, recém-saído da cadeia, procurava trabalho. Virava céu e terra, em vão.Não havia trabalho para um comuna. Todo mundo fechava a cara, sacudia os ombros ou virava as costas. Não se entendia com ninguém, ninguém o escutava. O vinho era o único amigo que sobrava. Pelas noites, na frente dos pratos vazios, suportava sem dizer nada as queixas de sua esposa beata, mulher de missa diária, enquanto o filho, um menino pequeno, recitava o catecismo para ele ouvir.Muito tempo depois, Josep Verdura, o filho daquele operário maldito, me contou. Contou em Barcelona, quando cheguei ao exílio. Contou: ele era um menino desesperado que queria salvar o pai da condenação eterna e aquele ateu, aquele teimoso, não entendia.— Mas papai — disse Josep, chorando — se Deus não existe, quem fez o mundo?— Bobo — disse o operário, cabisbaixo, quase que segredando —. Bobo.Quem fez o mundo fomos nós, os pedreiros. 
O Livro dos Abraços - Eduardo Galeano


¹ Retirado de SCHOPENHAUER,  Arthur - Dialética Erística; notas de Olavo de Carvalho. página 70 - Editora TopBooks,

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