segunda-feira, 26 de março de 2012

Bacon, sabor e fome.


Embora haja quem acredite ser o raciocínio humano uma forma certeira de se construir conhecimento, para muitos ocorre justamente o contrário: Francis Bacon, em Novum Organum, alerta-nos para os incontáveis equívocos que cercam o saber construído apenas pela razão. Todavia, para ele, enveredamos pelo caminho correto quando a amparamos na experiência.
O vocábulo latino "sapor", que dá origem a "sabor", relaciona-se ao verbo "sapere", do qual se obtém a palavra "saber". Dessa forma, essas palavras da nossa língua - "saber" e "sabor" - têm a mesma raiz etimológica, evidenciando-se a íntima relação entre o experimentar e o verdadeiro conhecer. Para Bacon, o método que se orienta pela experimentação científica é tratado como a cura para uma mente que se norteava puramente pela instável razão.
Incontáveis são os exemplos de "cura científica" que a experimentação proporcionou: era pela razão que se orientava Aristóteles quando falava sobre diferentes intervalos de tempo para a queda de diferentes corpos, mas pela experiência de os lançarem da Torre de Pisa, Galileu o desmistificou.
Se para Bacon a verdadeira ciência atua como representação das reais intenções divinas, por que não enxergar sua filosofia aplicada também a episódios da experimentação com o transcendente? Também se orientava pela razão Saulo de Tarso, quando perseguia os cristãos. Quando teve, na estrada para Damasco, a experiência com Jesus - segundo é relatado pelas Escrituras Bíblicas - converteu-se ao cristianismo.
Mais tarde, o então Apóstolo Paulo vem, novamente, entrar de acordo com as teorias baconianas com relação à limitação do conhecimento humano. Bacon, humildemente admite que nossa compreensão seja restrita, e que muito provavelmente jamais chegaremos à verdade. São Paulo afirma: "com efeito, o nosso conhecimento é limitado, como também é limitado nosso profetizar. (...) Agora nós vemos num espelho, confusamente; mas, então, veremos face a face. Agora, conheço apenas em parte, mas, então, conhecerei completamente, como sou conhecido". (ICor 13, 9.12).
Bacon e São Paulo também concordam quando o Apóstolo elucida a respeito da fé cristã. O cristianismo está para Paulo assim como o conhecimento está para Bacon: não devem ser meros exercícios da mente, mas lograr bens à humanidade. Paulo afirma: "se eu tivesse o dom da profecia, se conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, (...) mas não tivesse amor, eu nada seria". (ICor 13, 2). Sobre a inutilidade de possuir instrumentos sem que os utilize para algum bem, pode-se encaixar também a afirmação da escritora mineira Adélia Prado, quando alude ao famigerado ditado popular: "não quero faca nem queijo. Quero a fome".
Incontáveis seriam, em todas as eras, os exemplos de reiteração da filosofia baconiana. Bacon preocupou-se, sobretudo, com os alertas dos perigos a que a razão, desamparada, está sujeita. A ciência que propõe pode, evidentemente, também conter equívocos decorrentes de diversos fatores, internos e externos, mas com certeza é um passo seguinte em direção ao horizonte da Verdade.

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