segunda-feira, 19 de março de 2012

Ainda Somos Cartesianos?

 À pergunta “ainda somos cartesianos?” é possível, porincrível que pareça fornecer duas respostas que, não necessariamente sãocontraditórias. Isso se deve ao fato de que podemos entender o termo“cartesiano” sob duas perspectivas.
            Pode-secomeçar considerando o termo cartesiano no sentido mais rigoroso. Esse sentido refere-se ao termo“cartesiano” tomando como referência os aspectos mais peculiares do sistemafilosófico de Descartes.
            Talsistema procura pensar o conjunto das ciências como passível de ser deduzido dealgumas verdades básicas (ideias claras e distintas) indubitáveis. Esse tipo demetodologia fica bastante claro quando, em o Discurso do método, vemos ogrande racionalista por em dúvida todos os dados da experiência empírica (e,até mesmo, da matemática) e procurar verdades indubitáveis (a existência do“eu”, a existência de Deus e etc.) pelas quais se pode chegar dedutivamente atodos os conhecimentos sólidos. A percepção dessa especificidade matemática dométodo cartesiano nos permite fornecer uma primeira resposta à questão em pauta.
            Essaresposta é negativa, uma vez que, na opinião dos principais teóricos da ciênciacontemporânea, esta pode até adotar uma linguagem matemática, porém não podeser identificada com a matemática. Esse tipo de concepção fica claro seprocurarmos ler a obra de filósofos da ciência importantes: Carnap, Popper,Kuhn, Quine e etc. Todos esses autores compõem um circulo de filósofos reunidossob o título de filosofia analítica. Essa escola filosófica é caracterizadapelo fato de os autores que a compõem defenderem a tese de que as proposiçõesque não possuem nenhuma ligação com o plano factual sequer tem sentido emerecimento de serem consideradas pela filosofia ou pela ciência.
Dentro dessa busca por se livrar deproposições não-factuais a filosofia analítica procura, recorrendo, mesmo, àhistória, defender que a  ciência épredominantemente empírica e bastante diferente daquele método quase matemáticoque, acima, atribuímos a Descartes. Essa concepção da filosofia analíticaparece, inclusive, ser a mais aceita por aqueles cientistas que procuramrefletir as respeito de sua prática como o muito reconhecido Stephen Hawking.
            Sendo assim, pode-se passar a umasegunda consideração do termo “cartesiano” o tomando em um sentido mais amplo.Nesse sentido, o termo “cartesiano” referir-se-ia a um ideal de cientificismoenunciado em O discurso do método. Esse ideal aparece, principalmente,nas partes finais de tal discurso e manifesta-se, principalmente, em umaempolgação, por parte do próprio Descartes, com relação às possibilidades de aciência poder, através de experimentos (que, apesar do ideal matemático queperpassa o Discurso do método, não são negados por Descartes) exercerprevisões sobre a natureza.
            Tal forma idealizada de ver a ciência,mas do que qualquer outra coisa faz do pensamento cartesiano o cerne damodernidade, uma vez que essa passa a poder ser vista como uma busca constantepara se exercer um total domínio sobre a natureza e esquadrinhá-lacompletamente. Ao estudar esse ponto de vista, os autores da chamada Escola deFrankfurt chegaram à promissora conclusão de que o cartesianismo, como umaespécie de fantasma, permanece até os dias de hoje: embora o método cartesianonão seja mais tomado ao pé da letra, o ideal de cientificidade inaugurado porDescartes permanece sendo uma espécie de alicerce epistemológico de nossotempo.
            Feito esse último comentário conseguimos esgotar a questão de que nos havíamos proposto tratar. Acredita-se ser interessantesintetizar, em poucas palavras, tudo aquilo que foi dito: enquanto métodofilosófico específico, o cartesianismo está morto, porém, enquanto ideal decientificidade, tal forma de pensamento é uma das bases da visão de mundo quepredomina na contemporaneidade.

Danilo Saran Vezzani

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