sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Agir social X arcabouço jurídico

Para que o direito adquira características estáveis, é necessário que ele saia da perspectiva mágica em que estava até então e caminhe rumo à modernização. Na sociedade pós-moderna, o sistema jurídico tem que correr atrás das transformações sociais para que possa representar de forma legitima os cidadãos.

É o direito que cria um movimento de mudanças, muitas vezes bastante vigorosas, aonde já havia determinada acomodação por parte do corpo social. Há, hoje, o despertar de inúmeras questões que já pereciam ser dadas como certas dentro da moral cristã ocidental. Esse agir social, mesmo que parta da minoria, provoca agitação nessas certezas. Nesse momento, o novo emerge daquilo que já parecia tranquilo.

A criação desse novo direito, muito mais sociológico, possui dois pressupostos principais: as modificações das condições de existência (a transformação do modo de produção, da comunicação, das relações sociais etc.) e a ação social. A estrutura pode até mudar, mas se o agir social não se dinamiza na mesma proporção, o direito não muda. Em alguns lugares, esse agir social está tão influenciado pela religião, que o arcabouço jurídico permanece primitivo, mesmo com ótimas condições de existência. Weber também considera essencial para essas modificações, a invenção de novos conteúdos da ação social. “Em geral, é mais freqüente, que indivíduos criem um novo conteúdo da ação social, inventando-o, e que este conteúdo depois se propague por imitação e seleção”.

É assim que surgem as normas jurídicas. Há que se ter um paralelismo entre o agir social e o arcabouço jurídico que contemple essa nova realidade social. Por exemplo, a condição feminina inferior, até o século XIX, era uma questão natural. A partir das mudanças, das pressões de uma nova dialética que coloca o gênero feminino em condições de igualdade, a legislação se modifica para proteger melhor o interesse da mulher sob essas novas condições.

O Direito, assim, passa a ser um meio de se determinar o que é mais pertinente à sociedade atual e principalmente, um instrumento de luta contra a opressão das minorias.

O Direito e inserção de minorias:a "ação social" como grande responsável por tais mudanças

“Sem dúvida, temos em todos os tempos e ainda hoje o surgimento "inconsciente", isto é, não sentido pelos participantes como criação, de regras empiricamente vigentes para a ação, também de regras jurídicas. Isso ocorre, sobretudo, ao modificar-se imperceptivelmente a sua significação...”.

A frase da obra de Max Weber exemplifica exatamente o modo de criação das normas jurídicas e do direito como um todo, tanto em nossa sociedade pós-moderna, bem como nas primitivas, com a ressalva de que nestas o direito ainda funcionava não como um postulado de normas gerais racionalizadas em um sistema, mas sim como um apelo “ao magico” através do qual esse decidia, por exemplo, um caso, sem a presença de códigos. Estes foram, na verdade, surgindo a partir dai e chegaram ao que conhecemos hoje: a base de todo o direito e da solução de conflitos jurídicos.

No tocante aos próprios códigos, bem como a jurisprudência como um todo, pode-se observar que a “ação social” tem papel fundamental na criação deles bem como em sua mudança, na modernização do direito propriamente dita. Novos comportamentos que se propagam gradualmente ou de forma revolucionaria, sempre de uma mudança que e humana, a ação social se modifica e acaba se tornando o elemento para criação e modificação do ordenamento jurídico, em sua base, e para a politica inclusive, tendo por vezes justamente essa intenção ultima.

Dessa maneira, os movimentos sociais históricos a favor de minorias que surgiram de maneira revolucionaria, e cujas razões se propagaram na sociedade, conseguiram ter mais força para modificar leis antigas em dissonância com eles e, mais do que isso, tornar tais leis obsoletas objeto de repulsa social. Temos ,como grandes exemplos, o movimento americano liderado por Martin Luther King nos anos 60 ou o africano já na década de 90 por Nelson Mandela, não uma mudança repentina “da noite para o dia” mas uma decorrência de fatos, de mobilizações, que trouxeram , de maneira positiva, a opinião publica a par de suas razões e a favor de mudanças e que decorreram na mudança em hostis legislações racistas, um exemplo dos mais latentes do agir social engendrando novas perspectivas em questões jurídicas.

E também característica do agir social também provocar o desnível, e ate certo “atraso” no ordenamento. Nova questão, novas duvidas surgem no direito .O uso da internet que provoca lesão dos direitos dos internautas, os direitos dos animais já requeridos por seus donos cada vez mais, os direitos dos homossexuais que também mostram um maior apelo não só por parte do referido gênero, mas pela sociedade como um todo. São questões complexas e que por vezes se referem a solida moral da sociedade se tornando mais ainda de difícil resolução; ainda assim e possível afirmar, a partir da observação histórica, mesmo assim sem generalizações, que a aquisição de direitos principalmente das minorias tende a se estabelecer e as grandes conquistas também. Acreditemos sempre na máxima de que :“Não há direito que se imponha contra o apelo do consenso do povo”.

Os novos direitos: entre a ação e a reação

Diferentemente do que entendia Karl Marx, para Max Weber, é o agir social, movido por diversos valores, o elemento crucial na criação de um novo direito. Dessa forma, o capitalismo não era compreendido como o único espírito engendrador das ações, havendo outros valores, além dos econômicos, responsáveis por produzir o comportamento humano e possibilitar as modificações do direito e da sociedade. Sendo a ação social, portanto, determinada, substancialmente, pelos aspectos socioculturais.

Cumpre ressaltar também a concepção de Weber no que tange à seleção natural. Relacionada a cada cultura, ela ocorreria no sentido de determinar e manter as ações humanas mais adequadas para o melhor andamento e desenvolvimento de uma sociedade.

Isso pode ser aplicado na sociedade pós-moderna, especificamente, no que diz respeito à criação de novos direitos. Partindo do pressuposto de Weber, segundo o qual a ação social, ou seja, os elementos sociais e culturais de uma sociedade são capazes de modificar a significação do direito vigente ou de criar um novo, as modificações dos valores que fundamentam tais ações são determinantes para o surgimento de novas formas de compreender o mundo, relacionar-se com as mais diversas pessoas e aceitar algumas situações, por muitos, impensadas, há algumas décadas atrás.


Neste contexto, está inserida a criação de novos direitos na sociedade pós-moderna. Exemplos disso são a possibilidade de servidor travesti e transexual poder adotar nome social no estado de Minas Gerais, como também, a autorização a um casamento homoafetivo, concedida, pela primeira vez, pelo Superior Tribunal de Justiça. É inegável que novos hábitos acabam por influenciar o surgimento de novos consensos, os quais estão, a cada dia, obtendo força jurídica.

Pode-se dizer que, à medida que a sociedade se torna mais complexa, novos assuntos se racionalizam. Uma vez que a ação social assimila novos valores e consegue superar a reação, ou seja, a negação à assimilação de tais valores, outros comportamentos e situações inconcebíveis no passado, passam a ser selecionados como ações humanas adequadas e que contribuem para o melhor andamento da sociedade.

Ressalva-se, porém, que as modificações e o ritmo com que elas ocorrem variam de acordo com as diferentes sociedades, uma vez que os valores que fundamentam as ações humanas são distintos. Se, no Brasil, a luta contra a homofobia é uma realidade e os homossexuais têm obtido diversos resultados, sobretudo, na área jurídica, nas sociedades islâmicas, por exemplo, a criação destes novos direito não é possível e talvez não o seja jamais. Neste caso, a reação a certos comportamentos contrários a sua crença e tradição é muito mais forte do que a possível tentativa de fugir aos padrões adotados. Por isso, o agir social cotidiano freia a criação de novos direitos, já que está, fortemente, vinculado a uma normatividade religiosa.

Como se vê, a criação de novos direitos depende, de modo significativo, da ação social e ocorre apenas se esta for capaz de se sobrepor às reações que, eventualmente, possam surgir.

O Direito como Absorção Inovativa

O Direito é criado pelas concepções e costumes sociais e se modifica gradativa e concomitantemente com a sociedade. Dessa forma, novos hábitos sociais, inovações na maneira de pensar e agir de uma sociedade refletem diretamente na maneira como o Direito é aplicado, visto e construído.

É preciso ter em mente que essa “evolução” à que o Direito está sujeito não é direcionada para um determinado sentido e direção e muito menos condicionada por valores únicos e universais. Cada nação, estado ou comunidade carrega seus próprios valores e, em vista disso, se modifica de acordo com essas características próprias, formando sua identidade.

De acordo com Weber, essas “inovações” determinantes do Direito sofrem uma certa “seleção natural” a qual discrimina aqueles pontos que mais se identificam com as concepções de cada sociedade, sendo descartadas aquelas que não condizem com tais. Com isso, tem-se o esclarecimento da existência de sociedades com ordenamentos tão distintos e o fato delas estarem totalmente desvinculadas de uma uniformização; embasa-se também a nulidade da probabilidade de convergência absoluta de valores num futuro.

O homossexualismo, transexualismo e as discussões decorrentes, o uso cada vez mais constante e amplo de redes sociais como o “facebook”, ”twitter”, “youtube” e as dificuldades de regulamentação advindas desses “portais” que podem ser tanto utilizados como facilitadores da vida das pessoas como serem vistos como verdadeiros invasores da privacidade e janelas para a impunidade criminal são justamente exemplos de temas muito recorrentes na sociedade pós-moderna que, com certeza, serão determinantes na criação de novas concepções e inovações no direito positivo. Este tipo de inovação é o que causa revoluções e grandes reviravoltas no Direito, tornando-o cada vez mais condizente com as concepções atualizadas de cada sociedade e projetando-se como instrumento organizacional, racionalizador das emoções humanas e, principalmente, refletor das crenças e cultura de uma determinada sociedade.

O Direito é transformação, documento histórico-cultural, estatuidor da ordem, causa e conseqüência de comportamentos humanos e, mais que tudo, constante dialética.