segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Se o homem é o produto do seu passado...

As primeiras normas, como discutimos, vieram dos costumes solidificados ao longo dos tempos - não precisavam ser escritos, já eram conhecidos por tradição. Grande influência tinha a religião, desde o pensamento do que era condenável à pena em si (podendo, por exemplo, repercutir na vida após a morte, com recompensas por bom comportamento ou castigos por ir contra a conduta desejada).
Nessas sociedades primitivas, a pena era concreta, conhecida pela consciência coletiva e, portanto, a cada desvio, já se sabia exatamente como reagir. Ao longo do tempo, passou-se a valorizar a racionalização. Contudo, ainda há uma grande bairreira difícil de ser superada: a religião.
Uma influência de tanto tempo, superando governos, Constituições e até mesmo antes disso, se considerarmos as primeiras adorações, a religião está presente há muito tempo nos conhecimentos humanos. Tivemos, inclusive, o Direito Canônico, demonstrando tamanha união entre ambos. Nas regiões islâmicas essas crenças são fortíssimas - tanto que nos referimos a eles pela própria religião. No ocidente, apesar da força das crenças, as revoluções liberais procuraram a independência do Estado por meio da laicização.
Quando as normas baseavam-se no caráter religioso, creio que o governante tinha sim maiores possibilidades de ações ("é assim porque o ente superior desse modo definiu"), respondendo somente ao metafísico, ao divino. Contudo, as leis humanos trazem-nos maior segurança e consequente estabilidade. Ainda há o caráter subjetivo da interpretação em algum momento, mas a força dessas leis pode ser vista justamente no fato de o Governo estar submetido a elas, respondendo por processo caso as infrinja.
Quanto à laicização em si, vejo cada vez mais contradições. Apesar de toda a defesa de liberdade religiosa, respeitando as diferenças sem imposição, quem decide as regras são homens - e homens que não estão isentos de influências, homens que não conseguem desvencilhar-se totalmente de suas crenças. Um exemplo atual está nessa notícia:
Nada contra livros religiosos em bibliotecas públicas, pelo contrário, deve-se garantir o acesso a essas obras. Contudo, questionemo-nos: como pode haver uma lei obrigando apenas um livro sagrado? Se nosso Estado não deve sobrepor uma religião em detrimento às demais, então por que não se obriga a oferecerem o Corão e livros de outras religiões? Não há sentido em tal multa discriminatória. Já basta apesar da "liberdade de escolha" o próprio deputado alegar que "O Brasil é um país cristão" além de o próprio preâmbulo vir "sob a proteção de Deus" ou discussões acerca da existência de imagens ou objetos como crucifixos em lugares públicos.
Em http://assembleia.go.gov.br/noticias/ver/id/105057/projeto+obriga+bibliotecas+a+disponibilizarem+biblias+em+braile, deparamo-nos com uma questão parecida: mais uma vez, por que a obrigatoriedade de a tradução para braile de apenas um livro sagrado? Se a maioria é de uma certa religião, isso não significa que a minoria deva ser relevada. Ou todos são tratados com igualdade - aumentamos as vias de acesso para todos - ou não se deve cobrar a obrigatoriedade.
Apesar da crescente racionalidade, não há como negar esse espaço do sagrado porque não há como negar o passado, somos o reflexo do que aconteceu e, em tão poucas décadas, não há como superar a influência de séculos. A cada um deve ser reservada sua liberdade, porém, no público, devemos, por mais difícil que seja, tentar minimizar ao máximo essas diferenças para que essas divergências não nos separe ou deixe certos setores da população uns contra os outros. É preciso conseguir o máximo de neutralidade (e respeito com o próximo) para assegurar a coesão, facilitando a convivência.

tema 1: o espaço do sagrado no Direito atual

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