sábado, 28 de maio de 2011

Ó máquina, orai por nós

A obra "Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico", de Friedrich Engels, representa um marco para a teoria socialista, pois é nela que o autor estabelece de maneira clara as bases desse sistema político e demonstra a necessidade de se atingir o nível científico situando o socialismo na realidade concreta. O socialismo primitivo é representado por Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen, chamados por Engels de "utopistas", pois tomam a razão pensante como ponto de partida , e não as condições históricas, utilizando-se de descrições minuciosas demais para que fossem aplicadas à realidade. Entretanto, os três deram grandes contribuições à ciência do socialismo, não se propondo a emancipar primeiramente uma determinada classe, e sim toda a humanidade.

Mas como, pode-se perguntar, seria possível de fato situar o socialismo na realidade? Para Engels, isso só poderia ser feito através da dialética, em contraposição à metafísica. Assim, seriam levadas em conta todas as conexões, transformações e modificações que conduziram ao estado final das coisas, em suma: tese, antítese e síntese, sequência que constantemente se repete e provoca a negação de uma ordem estabelecida. Disso, o autor conclui que é necessário primeiramente desvendar as leis da história, pois não se pode analisar um fenômeno sem levar em conta seu processo de nascimento. Com o socialismo não pode ser diferente, e a história está cheia de aspectos que devemos analisar antes de formar qualquer conclusão sobre ele. As revoluções de maneira geral, principalmente a Revolução Francesa, apresentam caráter social e são desenvolvidas pela burguesia, que defendia o iluminismo e o triunfo da razão. Entretanto, Engels aponta que esse "triunfo" colocou em evidência os vícios burgueses, e em vez de progresso, o que se viu foram cada vez mais conflitos e as instituições se relevaram tristes decepções, constituindo uma sociedade caótica. Na verdade, essa burguesia que triunfou não representava o todo, e sim uma pequena elite do terceiro estado, que reafirmou seus privilégios com a tomada do poder. O proletariado continuava oprimido e incapaz de realizar mudanças sem ajuda, a qual teria que vir do alto. Engels fala então da necessidade de um novo sistema de ordem social que destruísse as diferenças de classe, baseada essencialmente na disputa entre proletariado e burguesia e no conflito das relações de produção e troca. Para o autor, todas as superestruturas da sociedade são consequências da estrutura econômica, e as mudanças nesta acarretam a luta de classes, oriunda do processo histórico. Assim, o socialismo já estaria latente, esperando apenas que se encontrasse um caminho para alcançá-lo.

Segundo Engels, a mais-valia é a essência da produção capitalista, responsável por produzir o lucro e explorar a classe trabalhadora, pois trata-se da apropriação de trabalho não pago, algo que se acentua com a introdução de máquinas e tecnologias. A produção é, portanto, a base da ordem social, e o capitalismo se traduz no conflito entre as forças produtivas e o modo de produção, pois com a indústria, os produtos passaram a ser uma cadeia de atos sociais, teoricamente devendo ser acessíveis a todos, mas se tornando, em vez disso, propriedade do capitalista. Daí nasce a contradição básica do capitalismo: a superabundância é fonte de miséria, e enquanto se produz uma quantidade de riquezas inimaginável, a desigualdade aumenta e as crises sociais se multiplicam. Assim, não é possível dizer que a introdução de novas tecnologias resulta na melhoria de vida do operário. Tomemos como exemplo a Inglaterra pós-Revoluções Industriais: toda aquela acumulação de capital, que significava progresso e desenvolvimento, só era possível porque o proletariado trabalhava incessantemente em péssimas condições, crianças e mulheres também tendo sua força de trabalho explorada sem que uma parte considerável desse esforço lhes fosse recompensada.

É tudo culpa do capitalismo? Seria muito fácil apenas dizer que sim e condenar todas as suas consequências, mas essa seria uma análise simplória da situação. Não se trata de substituir o capitalismo pelo socialismo, até mesmo porque nenhum desses sistemas é perfeito, o segundo como seus idealizadores o descreveram nunca chegou de fato a existir. Portanto, não, o problema não está no capitalismo e sim na maneira como ele é praticado, colocando as necessidades humanas em segundo plano para focar-se quase que obsessivamente na obtenção de lucro. O capitalismo deixou de ser um instrumento de organização política, social e econômica e passou a exercer um cego comando sobre as pessoas, assim como as máquinas fizeram e talvez ainda façam atualmente. O poema "Ladainha", de Cassiano Ricardo, é uma perfeita ilustração disso. Diz:
"Por que o raciocínio,/os músculos, os ossos?/A automação, ócio dourado./O cérebro eletrônico, o músculo/mecânico/mais fáceis que um sorriso.
Por que o coração?/O de metal não tornará o homem/mais cordial,/dando-lhe um ritmo extra-corporal?
Por que levantar o braço/para colher o fruto?/A máquina o fará por nós./Por que labutar no campo, na cidade?/A máquina o fará por nós./Por que pensar, imaginar?/A máquina o fará por nós./Por que fazer um poema?/A máquina o fará por nós./Por que subir a escada de Jacó?/A máquina o fará por nós.
Ó máquina, orai por nós."

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