sexta-feira, 15 de outubro de 2021

O árduo ciclo do habitus frente à resistência no combate a preconceitos

  O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930 - 2002) constrói em suas teorias a noção de campo, afirmando que, dentro de uma mesma classe social, existem subdivisões entre os ocupantes de posições dominantes e dominadas. Nesse ínterim, diferem-se indivíduos que possuem o poder daqueles que se encontram muitas vezes subalternizados dentro de sua classe. A base ideológica determinante na distinção das ocupações sociais encontra-se, segundo o sociólogo, intrínseca à ideia de habitus. Isto é, o conhecimento incorporado no identitário do ser ao longo de suas interações e vivências em determinada classe e nos diversos campos que ele percorra ao longo da vida. Por conseguinte, o habitus, por tratar-se de uma construção identitária, acaba por influenciar as escolhas e comportamentos dos indivíduos e, consequentemente, da sociedade em que ele está inserido.

        Nesse contexto, debates acerca da construção histórico social que levou ao enraizamento de diversos preconceitos contra minorias ganham força à luz de uma análise de Pierre Bourdieu. Dentro do campo jurídico, esses ideais também encontram-se presentes. Assim, é passível de análise o Julgado sobre o caso de apologia ao estupro durante um trote na faculdade UNIFRAN, no qual o ex aluno Matheus Gabriel Braia proferiu um hino para as ingressantes em que havia falas completatememte machistas, misóginas e fesceninas. Tal discurso submeteu todos os presentes a uma situação humilhante e opressora, desrespeitando e agredindo verbalmente a dignidade de todas as mulheres. Entretanto, por mais enojável e sexista a fala do ex aluno, a juíza responsável pelo caso sentenciou a favor do acusado, assentindo que seu discurso encontrava-se em tom de “brincadeira” e que não passou de um “teatro”. 

        Por meio dessa decisão equivocada,  a juíza fere toda a luta feminista, desconsiderando a seriedade do movimento e a gravidade das pautas por ele abordadas. Assim, sob uma análise sociológica, é possível evidenciar a presença do habitus no campo jurídico, já que as bases ideológicas tanto do acusado quanto da juíza - evidenciada através da falta de noção de ambos acerca da problemática do discurso proferido - possuem as mesmas matrizes culturais, na pauta em questão. Logo, identifica-se que ambos refletem o ideal machista e misógino das classes nas quais se movimentaram no decorrer de suas vidas, exemplificado, por exemplo, na noção de coletividade, normalidade e continuidade do preconceito presente no argumento favorável ao acusado “ele apenas repetiu um juramento não escrito por ele, e que vem sendo utilizado há anos nos trotes do Curso de Medicina da Universidade”. 

        Portanto, após essa análise fica evidente que o Direito não se pode levar pelo instrumentalismo, como um mero instrumento da classe dominante, sendo inviável o ideal de racionalização, neutralidade e universalidade do mesmo. Isso, pois, dentro de um determinado campo, os indivíduos de ocupações dominantes carregam capitais simbólicos intrínsecos à atuação do poder simbólico - que constrói o ideal ideológico de toda uma classe baseado em seus interesses.  


Beatriz Ferraz Gorgatti - 1° ano Direto matutino 



 

A notória reafirmação de preconceitos.

        As atitudes dos seres humanos são tomadas conforme sua formação de consciência, modo de vida, cultura e opiniões, no entanto, em áreas profissionais as opiniões pessoais não devem interferir no modo de atender ou tomar decisões, principalmente quando essas são judiciais e podem definir o futuro de alguém. De acordo com Bourdieu, o habitus é uma influência social e cultural originada pelo modo de produção vigente, no qual a condição de classe, em diferentes campos que as pessoas adentram ao longo da vida, determinam o comportamento individual e coletivo.

        Tendo em vista isso, a prefeita do Município de Ipatinga (MG) utilizando dos artigos 2°, caput, e 3°, caput, da Lei 3.491 teve a tentativa de proibir temáticas de diversidade de gênero e educação sexual em ambiente escolar. Contudo, a decisão foi preterida por colidir com preceitos fundamentais da Constituição da República, tais como o direito a igualdade, a vedação à censura em atividades culturais, o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. Além de se aproximar de leis, acerca da educação de gênero nas escolas, já existentes em diversos munícipios brasileiros e isso, consequentemente, coloca a segurança jurídica em risco. A problemática da tentativa de vedar a educação de gênero em ambiente educacional é prejudicial em diferentes âmbitos, uma vez que o objetivo é estudar a matéria para que se compreenda todo o contexto que abrange o assunto, a fim de eliminar preconceitos e gerar respeito a todos que não se encaixam no padrão hétero normativo.

        No mais, ao restringir essas discussões em espaço pedagógico, reafirma a estrutura da intolerância no Brasil, uma vez que discriminação é resultado da falta de informação. Logo, a discussão em sala de aula, em forma de educação, seria um dos caminhos a minimizar o preconceito intrínseco a sociedade. Ademais, como é exposto por Bourdieu, o poder que o campo jurídico proporciona a uma pessoa é maléfico para o extermínio de preconceitos, como foi citado acima na tentativa de proibir o assunto de gênero nas escolas.

        Portanto, assim como Bourdieu contextualiza, é notório que os valores pessoais de pessoas que exercem cargo público, como a prefeita de Ipatinga, influenciou em suas decisões. Por isso, os capitais simbólicos ainda se fazem presentes na sociedade brasileira, resultando na perpetuação da discriminação e preconceito, além das pessoas persuadidas pelo capital simbólico continuarem a ser as que determinam os valores na sociedade.

Luana Silva Araújo Souza - Direito 1° Ano Noturno

Decisões Judiciais: entre o habitus e a hierarquia de poder

   O caso da Ação Civil Pública que apresenta uma explícita apologia ao estupro em um trote da UNIFRAN ratifica as ideologias de uma sociedade fundada sobre os alicerces de um machismo estrutural. A saber que as alunas ingressantes no curso de medicina dessa instituição são obrigadas a enunciar um discurso, o qual afirma uma posição de inferioridade das mulheres perante os homens. Ademais, a análise desse processo evidencia um pensamento conservador do jurista, uma vez que há diversas críticas ao movimento feminista, argumentando que este seria o responsável pela degradação dos valores morais, na contemporaneidade.

   Diante disso, o sociólogo Pierre Bourdieu aborda o conceito de habitus, isto é, a existência de uma matriz cultural que influencia o comportamento e a escolha dos indivíduos. Dessa forma, é evidente que a realidade do mundo exterior afeta diretamente nas decisões judiciais, visto que os magistrados possuem uma interpretação jurídica semelhante aos costumes e às tradições de determinado ambiente coletivo. Logo, em uma sociedade machista, a luta por maior igualdade de direitos entre o gênero masculino e feminino é algo criticado e combatido no sistema judiciário.

   Seguindo essa lógica, Bourdieu empreende reflexões acerca de uma hierarquia no interior das instituições jurídicas, pois há demasiadas disputas ideológicas nesse espaço. Por conseguinte, o veredicto de uma decisão judicial representa o produto da luta simbólica no campo jurídico, ou seja, a sentença final é uma expressão de poder, demonstrando para a coletividade o que é juridicamente aceito. Sendo assim, julgar como sendo improcedente essa referida Ação Civil Pública favorece a ocorrência de novos casos semelhantes.

   Em suma, é perceptível a influência do meio exterior sobre as decisões firmadas através do Direito, já que esse habitus representa uma hierarquia de poder no interior das relações jurídicas, determinando o que deve ou não ser realizado pelos demais cidadãos.


Bruno Solon Viana - Direito Matutino

As entrelinhas da sociedade e o Poder Simbólico de Pierre Bourdieu

 

  O Poder Simbólico, conceito tratado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, apesar de pouco visto, quase invisível, abstrato, pode ser encontrado nas mais diversas acepções e relações coletivas. Naturalizado e enraizado no âmago do ambiente no qual fomos inseridos desde o nascimento, é um fator corroborativo da manutenção e/ou aprofundamento das desigualdades sociais. A normalidade rotineira, portanto, torna-se um perigo, sendo tão despercebida, comum, intrínseca, a ponto de não ser questionada, presente nas entrelinhas da sociedade.  

  Como imortalizado pelo brilhante Guimarães Rosa: “O correr da vida embrulha tudo”, o indivíduo, ao longo da vida, sofre variadas interferências externas, sejam elas derivadas de sua cultura, religião, classe social, manifestações artísticas ou até mesmo de posições hierárquicas. O conhecimento adquirido, o produto destas trocas, direciona o indivíduo à certas escolhas e determinados comportamentos, conceito este denominado habitus. Há de se entender, contudo, que a neutralidade de opiniões e posicionamentos transforma-se em algo distante e até utópico, bem como a Teoria Pura do Direito, do positivista Hans Kelsen, visto que não é possível a construção de uma “ciência jurídica pura”, nosso espaço social é formado pela interligação dos vários campos: científico, artístico, político, jurídico, estando o econômico ao cerne, irradiando todos os demais.

  O caso Pinheirinho, ocorrido em São José dos Campos em 2012, marcado pela tamanha violência estatal e desrespeito aos Direitos Humanos durante uma reintegração de posse de um terreno, que estava sendo ocupado por famílias (aproximadamente seis mil pessoas) há mais de 8 anos na época, é um exemplo perfeito do poder simbólico encontrado nas hierarquias, principalmente jurídicas. Não há como ignorarmos a influência do campo econômico num conflito que quase resultou numa guerra civil. Além de não haver coerência alguma na decisão tomada em 2011 pela juíza Márcia Loureiro, é claro o “(...) reflexo direto das relações de forças existentes, em que se exprimem as determinações econômicas e, em particular, os interesses dos dominantes, ou então, um instrumento de dominação” (BOURDIEU, 1989, p.210).

  A luta pelo monopólio de dizer o direito, advinda do campo jurídico, mostra-se uma barbárie perante ao caso concreto apresentado. Direitos como o da dignidade da pessoa humana, função social da propriedade, valorização do bem estar coletivo e do interesse público em relação ao particular, deveriam não só sustentar nossa Constituição Federal de 1988, como todo aparato jurídico. O óbvio ainda precisa ser constantemente dito: o direito de moradia de diversas famílias deveria ser inegociável, sobreposto a todo e qualquer interesse econômico, fora a confusão grotesca e proposital a despeito dos conceitos de posse e propriedade.

  Este poder simbólico, portanto, foi não só percebido, como contestado. Famílias foram à luta e tiveram seus direitos completamente violados. A violência, que já não era mais simbólica e mascarada pela coação, era ainda mais desigual, física e imponente, abusiva, literalmente. Capistrano de Abreu (1853-1927), historiador brasileiro, resume adequadamente nossas chagas sociais ao dizer que “a história do Brasil dá a ideia de uma casa edificada na areia”, ou seja, não há alicerce algum, não é seguro, é instável. Nosso Direito, bem como a casa, enquanto usado como arma para a satisfação de interesses não fundamentados sob a égide moral, não será visto como instrumento de transformação social, não contará com alicerces verídicos, distanciando-se de seu propósito.

 Júlia Nogueira Orricco

1° ano – Noturno