quinta-feira, 9 de setembro de 2021

A MORTE DO GATO PERIFÉRICO

 

“Eu volto antes da chuva”, parecia que mesmo ali, diante de seu cadáver, ela acreditava que logo ele chegaria em casa com sua cara melosa e seu olhar terno dizendo que a cidade já não era mais um bom lugar para se viver, que a vigilância sanitária tinha dizimado com os ratos mais gordos e que mesmo ele, um legitimo gato angorá, tinha que se contentar com restos encontrados no lixo, e que um dia desses ele a pegaria e os dois se mandariam para o campo. Ela sorriu, pois conhecia de cor aquele monólogo e também sabia que ele jamais deixaria aquela cidade por que ela era tanto parte dele, quanto ele era dela.

Ela relembra quando eles se conheceram, ele um lindo gato dourado, com os olhos mais doces e azuis do mundo, ele era bem jovem, porém muito decidido e convicto, disse a ela que a amaria todos os dias de sua vida, e assim o fez. Naquela época ele dizia que a cidade conversava com ele e que os dois teriam um futuro maravilhoso, cheio de mordomias e com luxo de sobra, “gato maluco”, a vida dos dois sempre foi muito difícil e as vezes suas tolices de gato ainda tornavam as coisas mais difíceis, contudo a cidade nunca lhes negou comida ou mesmo um teto.

Certa vez um garoto rico o pegou no parque e disse que ele seria seu gato, sua mãe logo consentiu por se tratar de um animal tão belo, quando partiu, acenou para sua amada e disse que a noite voltaria para busca-la, naquela noite ele não apareceu, mas ela não se preocupou, pois sabia que seu amado jamais a deixaria só, mas o pobre gato somente apareceu no dia seguinte completamente assustado e colocou-se a explicar o ocorrido, disse que ao chegar na casa, o garoto o meteu em uma gaiola, como se ele fosse um canarinho e começou a joga-lo para cima, na hora do almoço, o garoto deixou a gaiola no sol, aquilo quase matou o gato, após do almoço, do qual o gato não participou, o peste amarrou uma linha na gaiola e começou a abaixa-la dentro da piscina, torturando assim o gato por toda tarde, neste momento o gato viu que iria se dar mal, então girou, mordeu e arranhou o garoto e correu como nunca fizera, correu tanto que ficou até meio roxo e quando chegou em seu pobre ninho e viu sua amada, agradeceu aos céus e jurou nunca mais se meter a gato de madame.

Que triste desfecho a vida lhe reservou, agora estava ali, espatifado em uma esquina qualquer, todos que passavam pareciam sentir a dor e angustia da pobre gata, pois ninguém ousou toca-la dali, nem mesmo o dono do açougue com quem ela tinha uma bronca gigantesca.

Seu coração estava magoado, destruído, ela sentia uma dor tão sincera, tão amarga, parecia que também morreria, sua alma estava dilacerada, só de imaginar a ausência de seu amado suas vistas embaralhavam por completo. O dia estava chuvoso e logo a marginal transbordaria, ela não queria que seu belo gato fosse levado pela enxurrada, seria pavoroso que seus restos mortais se perdessem naquelas águas imundas, e como se o açougueiro ouvisse aquelas magoas, foi aos fundos de seu açougue e pegou uma caixa vazia de farinha e dentro dela colocou o cadáver daquele gato que um cliente com pressa atropelara ainda a pouco, uniu-se a viúva num breve cortejo até o terreno baldio ao lado de seu comercio para enterrar o pobre bicho, enquanto cavava pensava que seria bom ter um gato, pois não tinha família e gatos são excelentes companhias para solitários desse tipo.

Durante todo enterro a gata ficou paralisada por uma sensação torpe que corria por seu corpo, quando o enterro terminou, quase por impulso, ela tomou o caminho do campo e partiu, partiu sem olhar para trás, partiu para nunca mais voltar...


NOME: ANTONIO JAIR DE SOUSA JUNIOR

TURMA MANHÃ

PRIMEIRO ANO