sexta-feira, 30 de julho de 2021

O GATO QUE QUERIA LATIR

 


Havia uma sociedade de gatos a beira de uma rodovia, próspera e ajustada, pelo fato de seguir uma linha firme de conduta até um tanto quanto conservadora e tinha como líder um lindo gato branco, gracioso pelo porte e por dar exemplo de como um gato de verdade deveria se portar, de espirito felino por natureza, jamais se dedicou a grandes projetos pessoais mas se dedicava integralmente pela comunidade da qual era líder, naturalmente o gato ao atingir a idade adulta encontrou uma parceira e com ela constituiu família, pois seu pai já era velho e logo ele se veria líder daquela comunidade e que tal líder devia ser exemplo de virtude e tradição e assim aconteceu a morte de seu pai e uma tranquila ascensão a liderança daquela utópica e pequena comunidade.

A sociedade era feliz e a vida era boa, todos sentiam a mesma tranquilidade e podiam passar os dias ao sol se lambendo, a noite todos tinham caçavam gordos ratos e não havia ali gato que quisesse uma vida melhor, era apenas seguir aquele modelo que já vinha de tempos e aproveitar as nove vidas que cada um possuía, claro, nem tudo era uma panaceia e haviam gatos que transgrediam os costumes e normas, mas afinal desde que não fossem muitos gatos esses seriam até uteis para aplicar alguma punição e mostrar aos demais que a vida dentro das normas era melhor, mas ainda assim, o líder gato prudente sempre aplicava medidas voltadas a reparar os desvios e restabelecer a rotina, procurando não deixar reparações entre a gataiada.

A maior preocupação da vida do líder era mesmo dar continuidade ao que lhe fora legado, pois aquela organização já se encontrava pronta, já havia o lugar, os ensinamentos, os costumes, não havia nada para ser mudado e ele também não desejava mudar nada por la e assim como seu pai seu maior desejo era apenas manter aquele modelo estável e entrega-lo em segurança ao seu filho que naquela altura já era um lindo gatinho siamês que o pai tentava fazer pegar gosto e correr atrás de uma bolinha de lã, a qual o danadinho insistia em ignorar.

O tempo foi passando e o jovem felino não correspondia as expectativas do pai, que a princípio achava que aquilo era apenas coisa do fulgor da adolescência e que por si só a situação se resolveria, e ia dando seus pitacos de sabedoria ao futuro líder da comunidade. O tempo foi passando e as preocupações do líder aumentaram, pois o jovem gato era muito questionador e muitas vezes não concordava com os ensinamentos do pai e questionava o porque das coisas, coisas que seu pai nunca se importou de questionar e que desejava avidamente passar ao filho mas de fato não sabia a origem dos porquês.

Um dia o jovem gato conheceu uma cadela e se encantou por ela, seu jeito gracioso de andar, de cheirar as coisas, mas sobretudo sua sede de saber, sua curiosidade aguçada, tudo cheirava e a cada nova descoberta a serelepe se punha a latir com tamanha alegria que o bichano percebeu que o latir era um clímax eufórico da cadelinha curiosa e ele queria muito ser capaz de aprender daquela maneira de se expressar, chegando em casa ele foi direto ao seu pai contar o que presenciou e queria que seu pai o ensinasse a latir, pois ao chegar perto da cadelinha para tentar aprender a mesma fugiu para o meio do mato. O líder quase teve um treco no coração, pois onde já se viu tamanho disparate, seu filho, seu sucessor querendo aprender a latir como um cachorro, seu inimigo natural mortal, a tragédia só não era maior porque a mãe do jovem gato disse que tudo não passava de brincadeira de criança, contudo o gato não se conformava com aquilo e fora procurar saber com outros gatos se algum o ensinaria a latir.

Certo dia estava o líder em sua caçada noturna com outros gatos e ao longe se ouviu um cachorro latir, rapidamente um dos companheiros de caça fez chacota dizendo que seu filho o estava chamando e todos riram do sério e imponente líder, fazendo com que o infeliz piadista quase perdesse algumas de suas vidas com a surra que levou imediatamente, logo todos se calaram, mas nasceu ali os rumores que o filho do líder era um gato que queria latir.

A situação foi se alastrando de maneira silenciosa, como todo gato sabe ser, mas em curtíssimo tempo toda comunidade só comentava sobre o gato que queria latir e isso foi fulminante para o poderoso líder, seu filho, seu sucessor, sendo piada onde ele e seus antepassados governaram com tanto respeito e como já era de se esperar descontou sua raiva no pobre o curioso gatinho, que de maneira triste se viu hostilizado em casa, zombado em seu meio social e não compreendia que modelo era aquele que não se permitia sair dos padrões impostos sem ser massacrado por todos, quando saia de casa era seguido por dezenas de gatos incitando-o a latir, gatos que antes eram seus amigos e bajuladores querendo cair nas graças do futuro líder, mas que agora gritavam seu nome e escarneciam do pobre animal.

O gato no auge de seu inconformismo, viu que nunca poderia latir, ou mesmo cogitar latir, pois fora censurado e cancelado de seu meio e se de fato latisse não poderia voltar para sua casa pois seria morto dentro ou fora dela, desesperado o gato não era mais compreendido ou aceito, e num ímpeto ocasionado pelo frenesi daquela epifania, em que tudo ficou claro na sua frente, não poderia ser o gato que nascera para latir ou para pensar, e pulou embaixo da roda de um caminhão de abacaxis que passava pela rodovia naquele momento, seu pai ao ver a cena respirou aliviado, pois ao se suicidar seu filho enfim tinha exercido um papel compreensível por aquela sociedade e nunca mais correria o risco de ser conhecido pelo gato que conseguiu latir, mas apenas pelo gato que se matou, e com esses pensamentos pôs-se a tratar do enterro de seu amado filho.


NOME: ANTONIO JAIR DE SOUSA JUNIOR

TEXTO SOBRE: O FATO SOCIAL - DURKHEIM

DIREITO MATUTINO

TURMA: XXXVIII